Não de é de hoje a conhecida eficiência do diretor indiano M. Night Shyamalan (Sexto Sentido – 1999 / Corpo Fechado – 2000) em produzir suspenses instigantes, que mesmo com alguns insucessos críticos (Pior diretor A Dama na Água (2007) – Vencedor / Pior filme Fim dos Tempos (2009) – Indicado) consegue gerar expectativas a cada título. Sua tendência em aproximar temas fantásticos do mundo real fazem com que ele apoie seus filmes na história e em atuações bem desenvolvidas, o que fica bastante claro em Fragmentado.
O longa fala da história de Kevin Wendell Crumb (James McAvoy – Wanted, 2008 / X-Men: Apocalypse, 2016), um homem que sofre de transtorno de identidade dissociativo (DID) e não possui uma ou três identidades, mas 23 personalidades diferentes, variando de idade e gênero inclusive. Tais identidades são explicadas como sendo fruto de abusos sofridos ou praticados pelo personagem, que em meio a traumas, desenvolveu figuras de escapismo tão complexas ao ponto de cada uma delas ter influências químicas diferentes no mesmo corpo. Uma cena que explicita essa complexidade é quando uma das figuras aparece injetando insulina para sua suposta diabetes, enquanto outras figuras não apresentam em nenhum momento a mesma necessidade.
O filme começa com três jovens estudantes de uma mesma turma de artes. Duas delas, Claire (Haley Lu Richardson – Quase 18) e Marcia (Jessica Sula – Skins, 2011) são as clássicas figuras de jovens na flor da idade, efusivas e dentro do padrão, já Casey (Anya Taylor-Joy – A Bruxa, 2015) é a representação de uma jovem de psicológico denso carregado de traumas de infância. Após o aniversário de Claire, as três jovens são sequestradas por Kevin, que as leva para um cativeiro, dando início ao enredo.
Apesar do temperamento outsider da personagem de Casey, o roteiro não pauta a relação das três jovens de forma conflituosa, ele apresenta suas diferenças que imediatamente dão lugar a união quando o perigo se apresenta, fugindo do esteriótipo bulímico utilizado em muitos filmes de personagens adolescentes/jovens. No cativeiro, ao ver Marcia ser arrastada por Kevin para outro cômodo separado das demais, Casey mostra seu primeiro traço de racionalidade diante da situação, quando ao sussurrar no ouvido de Marcia ela insiste para que a amiga se urine. Mesmo sem entender, minutos depois Marcia é levada de volta a companhia das amigas sã e salva, com suas calças molhadas e seu sequestrador incomodado com a situação, revelando que Casey sabia exatamente o que estava fazendo.
Dentre muitas tentativas de fuga das três jovens, o roteiro não se aprofunda muito nas duas meninas e sim em Casey que vira o fio condutor da narrativa que, além do sequestro, traça um paralelo com o passado da jovem em cenas que aos poucos vão explicando suas motivações, personalidade e habilidade em lidar com seu sequestrador.
Para desenvolver as facetas de Kevin o filme também usa a figura de uma terapeuta interpretada por Betty Buckley (Fim dos Tempos, 2008 / Pretty Little Liars – Temporada 3 Episódio 14, 2012), que em suas consultas dialoga com o personagem sobre suas personalidades, servindo de recurso didático para que o espectador compreenda melhor as tantas facetas do mesmo indivíduo. De acordo com a história, a terapeuta possui uma linha de estudo bastante peculiar em que acredita que portadores de DID podem realmente conter personalidades tão autônomas ao ponto de serem independentes, só que dentro do mesmo corpo, capazes de desenvolver cada um seu padrão enzimático, doenças, gostos e transtornos separadamente. Uma forma de tornar Kevin um personagem palpável e possível.
O grande mérito de Fragmentado está na atuação de James McAvoy, que sem o recurso da maquiagem ou cenário consegue dar forma aos diferentes personagens muitas vezes na mesma cena, carregando-os de trejeitos, vocabulários e diferentes entonações de voz.
Mesmo com um roteiro interessante, casado à atuação super eficiente, há algumas falhas que talvez impeçam Shyamalan de repetir o grande sucesso de O Sexto Sentido. O filme é vendido exageradamente como sendo de terror, o que não se confirma. Ele é sim um suspense instigante, mas para aterrorizar realmente o expectador falta uma trilha sonora mais eficiente e precisa, que consiga casar com a atuação e a ordem dos fatos.
O roteiro também possui imprecisões, uma delas se encontra na personagem da terapeuta, que começa como muleta para o desenvolvimento de Kevin, mas que é retirada da história de forma pobre, quase artificial, causando estranhamento no espectador. Em determinada cena se descobre o gatilho que leva Kevin a lucidez, impedindo que ele ataque suas vítimas. Apesar disso a personagem inacreditavelmente não faz o uso desse recurso quando se vê em situação de perigo, causando confusão e estranhamento no espectador.
Finalizado o conflito o diretor nos trás uma pequena surpresa nos últimos minutos do filme, em que revela um ator de um dos seus grandes filmes, realizando uma conexão entre suas obras, que deve ser desenvolvida no terceiro filme da trilogia.