O livro cumpre o que o título promete. Não é realmente um livro de receitas. O leitor vai encontrar histórias de horror pinceladas com alusões a algum quitute ou alimento, mas elas não ensinarão como cozinhar nada. Também não se referem a canibalismo ou a zumbis. É uma coletânea para pegar o homem, assim como o peixe, pela boca.
Isto NÃO é um livro de receitas foi escrito por Leandro Henrique Cerquiari e publicado pela editora Diário Macabro. Em poucas páginas, o livro reúne 11 contos de horror e brinca com a ideia do autor ser um chef, oferecendo ao clientes seus peculiares pratos.
Apesar de não ser um livro de receitas, a coletânea cria certa expectativa sobre horror misturado à gastronomia, mas isso não acontece. Encontra-se algumas brincadeiras no sumário, na introdução e em alguns títulos, mas nada mais que isso. As histórias não seguem a linha “horrorgastro”. Elas possuem as próprias temáticas e enredos, sempre focadas no que é intragável socialmente. E aí sim, o livro tece uma sutil construção de sentido crítico.
O fato do livro não propor receitas significa que suas histórias não são para alimentar o ser humano, mas ainda assim nutri-los com cenários indigestos na tentativa de provocar-lhes aversão àquelas situações. Um modo de incentivá-los a não praticar tais atos.
A maioria das histórias é escrita em primeira pessoa, que gera rápida imersão do leitor no enredo, e traz uma linguagem fluida e suave que só aumenta a vontade de ler rapidamente os textos. Um ponto que incomoda é o exagero de referências sexuais. O incômodo, às vezes é necessário, mas às vezes torna-se um obstáculo à leitura.
O sexo dentro de um livro deve cumprir uma finalidade bem demarcada; geralmente é usado junto de outra situação que maximiza o choque do leitor. Neste volume, é possível ver isso acontecendo algumas vezes, mas, considerando o livro no geral, aparenta ser algo desnecessário, até mesmo “chato”. Sensação que não deveria causar, uma vez que é um dos símbolos da brincadeira com a gastronomia psicológica humana que a coletânea propõe.
Existe uma crítica sutil sobre o sexo ser a motivação dos crimes. Isso brinca com a ideia que “muito mais se matou em nome do amor”. O amor sendo um motivador para crimes parece algo controverso, porém quando se tira este sentimento do palco e coloca o sexo, a situação fica um tanto mais plausível. O sexo então é visto como uma condensação da paixão, obsessão, carência e outros sentimentos afins. Nesse sentido, o sexo dentro da coletânea é muito bem colocado. O chef apenas errou a mão na dosagem.
O conto Morango é um belo exemplo desta crítica. Ele condensa o sentido que impele ao ser humano cometer um crime, ou ser conivente com um. Nesta história, as deficiências da paixão revelam uma pessoa dependente da outra e um casal indiferente à doença dela. Mostra como uma relação a dois pode ficar sem sabor quando não é temperada com amor. Ou seja, o sexo pelo sexo.
Outros contos que marcam bem essa carência de amor são A Samurai e Camile. Nestas histórias, o leitor vai compreender porque o sexo está nas páginas do livro. Vai entender que este elemento é – ou deveria ser – apenas um dos ingredientes utilizados numa relação, só que as pessoas o consomem como um prato principal. Tente comer katchup ou mostarda puros… Sentiu repulsa? Esses condimentos são o sexo. São deliciosos para temperar a comida, mas horríveis se ingeridos individualmente.
Essa é a premissa da história. Do mesmo modo que é possível apreciar um prato, também é possível apreciar uma relação a dois.