Carregando um título recentemente explorado pelo diretor Peter Jackson (2005), Kong – A Ilha da Caveira chega às telonas trazendo uma leitura do gigante macaco menos bestial.
O macaco mais famoso da história do cinema volta a dar as caras mais uma vez. Quem não se lembra da clássica cena deste brutamontes pendurado no alto de um arranha céu, no meio de Nova York? Pois bem, dessa vez o palco desta narrativa será em uma ilha desconhecida no Pacífico Sul.
O filme começa em 1944 durante a Guerra do Vietnã na qual dois militares, um norte americano e um japonês, se enfrentam numa luta corpo à corpo após caírem com seus aviões em uma ilha desconhecida. Nos primeiros minutos de filme Kong já se apresenta grande e poderoso bem na sua frente, tirando qualquer suspeita de que possa ter acidentalmente entrado na sessão errada.
Mas apesar disso Kong ainda não é rei e esse é o plot que o diretor norte americano Jordan Vogt-Roberts (Crocked – 2015 / Nick Offerman: American Ham, 2014) pretende utilizar na busca de nos trazer alguma novidade. Diferente dos filmes clássicos, Kong ainda é um jovem macaco habitante de uma ilha inexplorada, que abriga figuras exóticas e desconhecidas pela humanidade. O longa traz uma fera menos bestial que vê seus pais serem mortos por outro tipo de criatura, despertando nele um instinto de cautela e proteção pelas criaturas mais indefesas, o que é uma novidade comparado aos outros títulos que em que o gigante não possuía qualquer apreço pela vida à sua volta.
Anos depois em 1971 dois norte americanos, William “Bill” Randa (interpretado por John Goodman – Rua Cloverfield 10, 2016 / Trumbo, 2015) e Houston Brooks (Interpretado por Corey Hawkins – Straight Outta Compton, 2015 / Romeo e Julieta, 2014) de uma equipe secreta governamental de nome Monarch descobrem, através de imagens de satélite, uma nova ilha. Estimulados pela Guerra Fria, um período histórico de disputas estratégicas e conflitos indiretos, eles decidem averiguar que mistérios guardam esta porção de terra antes que nações inimigas o façam. Após conseguirem convencer um figurão do governo a apoiar a empreitada, eles então começam a reunir um eclético grupo que conta escolta militar, membros do corpo técnico geológico, uma fotógrafa e um ex militar com experiência em exploração de áreas inóspitas.
Essa parte do longa nos revela alguns êxitos, que vão desde a feliz escolha do elenco, até uma bela fotografia, que trás sequências de imagens rápidas que conseguem contar todo esse processo de preparação da expedição sem ser lento e monótono. Além disso o diretor de fotografia estadunidense Larry Fong (Watchmen – 2009 / Sucker Punch – 2011 / Super 8 – 2011 / Batman v Superman: Dawn of Justice – 2016) é bastante feliz ao homenagear em sua fotografia clássicos como “Apocalypse Now” e “Bom Dia, Vietnã”, utilizando palhetas amareladas, cores quentes, agregando a atmosfera tropical e a icônica cena em que mostra um homem sorrindo prazerosamente ao provocar explosões pela ilha.
Apesar da fotografia bem executada, o roteiro não mostra o mesmo sucesso. Ao chegarem próximo à ilha de navio, os exploradores embarcam em helicópteros e decidem atravessar uma tempestade que a circunda e parece não dissipar nunca. A ideia inicial é jogar uma série de bombas para que seja feito uma avaliação geológica do local. É então que Kong, incomodado por toda balbúrdia, parte furiosamente para cima dos helicópteros, causando uma série de mortes e separando os membros da equipe em diversos grupos, coisa que raramente (?) acontece numa aventura de monstros gigantes. Esta cena é contada com belas imagens em computação gráfica e takes que muito se assemelham com games em primeira pessoa.
O que Kong não esperava é que uma das figuras, o militar Preston Packard (interpretado Samuel L. Jackson – Cell, 2016 / Avengers: Age of Ultron, 2015 / Robocop, 2014), desiludido pelo fim da guerra e pela falta de um propósito, fosse ver na morte de seus colegas uma obsessiva necessidade de vingança que colocaria a vida de todos em risco se preciso para alcançar seu mais novo e único objetivo.
A partir daí os grupos sobreviventes tentam novamente se reunir e sobreviver a misteriosa ilha e não precisam de muito tempo para perceber que o primata gigante não é a única anormalidade presente neste cenário. Esta parte da narrativa já nos mostra uma frustrante falha, que é o roteiro. Após cenas empolgantes, bem orquestradas e referências louváveis é possível perceber a pobreza no desenvolvimento dos personagens. Um bom elenco mal aproveitado que pouco consegue mostrar a que veio. Diálogos rasos e um bilateralismo que não permite profundidade. A figura do Tenente Packard, na qual percebe-se sua fome por um objetivo, seus êxitos de guerra e seu vício pela destruição, serve para atender ao bilateralismo de vilão-mocinho que dará o climax da história. Os demais personagens também rasos, cativam o espectador pelo simples fato de suas virtuoses e apesar de algumas tiradas cômicas, não há outros elementos para construção identitária.
Não restam muitos sobreviventes e os que restam aos poucos vão sendo tragados pelas figuras míticas que a ilha abriga. Em meio a esse caos há algumas tentativas de humanizar Kong, como na cena em que se banha no lago após revelar alguns ferimentos do confronto com os helicópteros, ali é possível notá-lo mais calmo, até o momento em que um polvo gigante (até demais para um lago que mal chega aos joelhos do primata) tenta atacá-lo e acaba por ser devorado. Outro elemento dessa tentativa é a predominância do andar bípede que é falsamente utilizada, já que primatas andam predominantemente com as pernas traseiras, mas apoiados pelas patas frontais.
Além das figuras míticas, os exploradores também descobrem a presença de uma estranha e silenciosa tribo, que curiosamente desenvolve amizade pelo piloto norte americano que ficara 28 anos preso na ilha desde a década de 40. Seu nome é Hank Marlow (interpretado por John C. Reilly – Detona Ralph, 2012 / Guardiões da Galáxia, 2014). Ele explica um pouco de sua trajetória, como fora acolhido pela tribo e revela a faceta protetora de Kong ao afirmar que ele, diferente do que a equipe achava, na verdade é o protetor daquela tribo e mantém a harmonia local contra monstros residentes no subsolo.
Então é a vez de sermos apresentados ao verdadeiro predador. Figuras inspiradas em Tokusatsu, da cultura oriental, revelam-se as verdadeiras ameaças, tirando o papel de vilania do macaco gigante, tentativa essa que é reforçada com a cena em que ele salva um animal bem aos olhos da fotógrafa Mason Weaver (interpretada por Brie Larson – Free Fire, 2016 / Captain Marvel, 2019), que se vê surpresa ao ficar cara-a-cara com o gigante sem ser predada por ele.
Fotojornalista de guerra e ativista pela paz, esta é mais uma personagem que se vê mal aproveitada pela trama, servindo quase que somente para ser a nova “loira do kong”, em um dos planos ela mais uma vez se vê inesperadamente defronte à Kong e por sua ligação com a natureza sente-se encorajada a se aproximar ainda mais até o ponto de tocá-lo, criando uma relação de empatia em ambos.
Ela e o um desiludido antigo capitão da Rhodesian Special Air Service, que serviu na Guerra do Vietnã, James Conrad (interpretado por Tom Hiddleston – Thor, 2011 / I Saw the Light, 2015), guiam os demais sobreviventes junto com Hank Marlow até o lado norte da ilha onde podem ser resgatados pelo navio que os havia transportado. Um outro complicador é que apesar da necessidade de partir imediatamente da ilha, ao se reunirem com os soldados sobreviventes e o Tenente Coronel Preston Packard, eles são obrigados a seguir com seu plano de vingança, que parece por esta motivação acima da sobrevivência de sua equipe.
Daí em diante o filme se torna um misto de cenas de ação e fracassos nas tentativas de escaparem. Obviamente há um confronto entre Kong e um dos monstros que vive embaixo da terra, tendo espaço até para uma ação de salvamento de Kong com a personagem Mason Weaver, confirmando seu estereótipo de “loira do Kong”.
A trilha sonora, apesar de possuir clássicos do Rock’n Roll, revela algumas falhas de inclusão, sendo acrescida quase aleatoriamente.
Ao fim do longa, numa cena pós crédito, fica evidente que o título faz parte de um crossover. Durante a aventura há diálogos que falam de uma lenda sobre feras gigantes que dominaram o globo e que possivelmente ainda existam. Com a aparição de Kong essa crença é reforçada e para finalizar o plot, o pós crédito mostra novamente a Monarch interessada numa nova exploração, só que dessa vez as fotos mostram uma criatura esguia, bastante parecida com outro monstro clássico do cinema, Godzilla, que será o crossover lançado em 2020: Godzilla vs Kong.