Mudanças nunca são fáceis. Muitas vezes feitas por nossas escolhas e muitas outras por imposição do destino, sempre chega um momento em que temos tomar as rédeas da nossa vida e seguir um caminho que, quase sempre, nunca foi aquele que desejamos mas que se apresenta como o necessário… Até mesmo para que, num futuro, se possa desfrutar do mundo com mais paixão e leveza.
E quando se está no auge da adolescência, onde a pessoa descobre todo um universo fora do âmbito familiar (e com hormônios bombardeando seu corpo e mente), as mudanças se tornam ainda mais intensas e inevitáveis. A confusão de pensamentos e sentimentos nesta fase faz com que o jovem passe por uma jornada quase que épica em busca de autoconhecimento e aceitação, ainda que tenha percalços ao longo do caminho.
E assim pode ser encarada a mais nova série da plataforma Hulu: Love, Victor. Apesar de se passar no mesmo universo do longa Com Amor, Simon – lançado em 2018 – não se trata aqui de uma continuação mas sim de um derivado. A história se concentra em Victor Salazar (Michael Cimino), um jovem de origem latina que se passa a estudar na Creekwood High School, mesma escola do filme original, e que está lutando com sua orientação sexual e se adaptando a uma nova cidade.
Ao longo dos episódios, se descobre que a história de Simon (Nick Robinson, agora um dos produtores e narrador da série) se tornou uma verdadeira lenda na escola, o que estimula ainda mais Victor a se questionar e entrar em contato com ele em algumas ocasiões. Isso rende as participações especiais de alguns personagens vistos no longa, o que alegra os fãs de Simon e seus amigos, mas não tira o foco da trama central, sendo assim um ponto positivo para a produção.
Outro fator que joga a favor da série é que a história não tem a intenção de emular os acontecimentos vistos no filme: ao contrário de Simon, que teve o suporte da família e amigos quase que instantâneo ao se revelar como gay, Victor não tem essa mesma sorte. O personagem vive em uma família tradicional enraizada nas diretrizes dos “padrões” da sociedade. Fora isso, ele precisa se deparar com as brigas constantes de seus pais, que vivem um relacionamento balançado, e as confusões causadas pela sua irmã mais nova, que não aceita a ida da família para uma nova cidade e, assim, ficando longe do namorado. São situações adversas que podem num primeiro momento parecer cair para o clichê dramático de séries desse gênero, mas no fim se apresentam de uma forma equilibrada com as outras temáticas abordadas a um roteiro bem trabalhado.
Somado a isso, o núcleo escolar de Love, Victor também se mostra interessante, mesmo com alguns mais trabalhados que outros. A começar por Felix (Anthony Turpel), o vizinho de Victor e o pária de Creekwood High School. Mesmo sendo o alívio cômico da série, vemos com o passar dos episódios que ele carrega uma mágoa devido o jeito como é encarado pelos outros alunos, entretanto sua jornada mostra a importância de ser quem você realmente é, sem se importar com o que as pessoas falam. Sua amizade com Victor o faz se aproximar de Lake (Bebe Wood), uma das garotas populares e viciada em rede sociais, sempre tentando estar perfeita e com status inabalável.
O convívio com Felix a faz abrir os olhos para o que é realmente importante quando se trata de se apaixonar, uma vez que sua vida amorosa passa por dificuldades nesse campo ao ter uma queda por Andrew (Mason Gooding), membro do time de basquete da escola e que é interessado em sua amiga, a inteligente e descolada Mia (Rachel Hilson). Essa, no entanto, é apaixonada por Victor e inicia um relacionamento com ele. Essa ciranda ganha um tempero a mais quando Victor se vê dividido em seus sentimentos pela garota e por Benji (George Sear), gay assumido e também aluno da Creekwood.
Com elenco competente (com destaque para Cimino, que entrega um protagonista extremamente amável e humano), a série se envereda por temas importantes dentro da sociedade atualmente, principalmente dentro dos núcleos familiares. As mudanças e os questionamentos feitos por Victor e seus amigos são o que muitos jovens passam no seu cotidiano e, assim como o personagem principal, não tem a abertura em casa para se abrirem e o suporte para enfrentar seus dilemas. Muitos irão se identificar com algumas situações apresentadas na trama, fazendo dela uma história que deve ser vista por toda a família (de preferência, todos juntos na sala).
Com somente dez episódios em sua primeira temporada – com cerca de vinte minutos de duração cada – Love, Victor vai muito além de uma série teen com temática LGBTQIA+… Como dito no início, ela se trata de mudanças.
É uma pena que não tenha previsão de lançamento aqui no Brasil (até o momento, o Hulu só está disponível nos EUA e Japão), pois é uma série promissora e com um texto deliciosamente carinhoso, que expõe problemas reais de uma parcela da sociedade que geralmente não se vê representada na cultura de massa. Histórias que nos fazem refletir sobre escolhas, que moldam personalidades e nos ajudam a passar pelos momentos difíceis, merecem todo o apoio e suporte por parte do público. Com amor, assistam.