Cuidado! Chegou o Halloween! E neste dia as almas dos mortos podem caminhar pelo mundo dos vivos! A festa como hoje é conhecida compreende em se fantasiar de criaturas sombrias e sair de porta em porta caçando doces – em países de colonização inglesa. Aqui no Brasil a tradição, chamada de Dia das Bruxas, não se estabeleceu dessa forma devido ao processo histórico que formou o país.
A Celebração da Morte ganhou um contorno bastante lúdico nos dias de hoje, porém nasceu de diversas origens europeias. As mais conhecidas delas se remetem à cultura celta e aos costumes cristãos. O que o Halloween tem a ver com o cristianismo? Tudo. Na verdade, até mesmo o nome “halloween” se origina desta vertente.
Nesta matéria, o leitor vai conhecer essas duas origens, a relação do festejo com as bruxas, a origem do nome e das fantasias, até mesmo da expressão “gostosuras ou travessuras”.
Halloween: o Dia das Bruxas?
A palavra Halloween é o resultado do processo por qual passou a expressão “All Hallows’ Eve”, que significa véspera do Dia de Todos os Santos. O termo compreende uma das datas programadas pela igreja católica do cortejo aos mortos que se encerra no Dia de Finados (2 de novembro). Ele passou pelas formas “All Hallowed Eve” e “All Hallow Een”, antes de chegar ao nome que conhecemos hoje. Pela contração, a expressão utilizada para definir a véspera se transformou em “halloween”, aparecendo pela primeira vez em cerca de 1745.
O outro nome do Halloween é Dia das Bruxas, mas não tem muito a ver com bruxas. O mesmo preconceito difundido pelo olhar cristão sobre as tradições célticas – um dos povos que eles suprimiram – acerca do nome “bruxa” envolve a razão de chamar esta data dessa forma. Bruxa, de acordo com o cristianismo, era toda e qualquer mulher que se deitava com o diabo, e como a igreja – principalmente a protestante – demonizava tudo que não era cristão, passou a traduzir a data como Dia das Bruxas.
Origem Celta
Quando a Europa era dividida por povoados e não por fronteiras de países, os povos não tinham terras definidas e, por vezes, mudavam de território. Embora a cultura celta tenha percorrido grande parte do continente, eles foram sendo reduzidos e passaram a se concentrar nas ilhas do Reino Unido – o que já aponta como as tradições de Halloween foram parar nos Estados Unidos.
Os celtas comemoravam a passagem do verão para o inverno com um festival chamado Samhain – que significa literalmente “fim do verão”, ou como os celtas gostavam de chamar “morte do verão”. Ele era celebrado entre 30 de outubro e o início de novembro, podendo ocorrer até o dia 5 ou 7, quando era comemorada a passagem de ano deles (os anos na época era marcados pela mudança cíclica).
O Samhain também tinha o objetivo de cultuar os mortos e a deusa YuuByeol, que era o símbolo da perfeição celta. Em cada dia acontecia uma festa específica. A “festa dos mortos” era uma das mais importante porque celebrava a comunhão entre o céu e a terra. ⠀
Nas tradições celtas originais não existiam os conceitos de céu, terra e inferno; eles chegaram mediante às invasões romanas. Para os celtas, os mortos viviam em um lugar de felicidade perfeita, onde não havia sofrimento. Os druidas presidiam as festas como médiuns, realizando a comunicação entre os mortos e seus entes queridos. Inclusive, em tempos imemoriais – que formaram as civilizações no início dos tempos – a palavra “bruxa” significava “aquela que fala com espíritos”, tal como os médiuns.
Na cultura celta acreditava-se que no Halloween os mortos podiam caminhar pela terra, voltar aos seus lares antigos, visitar parentes e guiar os que morreram recentemente ao lugar perfeito onde “vivem”.
Por isso, muitas pessoas deixavam espaços em suas mesas para serem ocupadas pela alma dos familiares que morreram. Justamente por eles acreditarem em um além-morte de perfeição, o Samhain não tinha uma conotação sombria. Isso só aconteceu com o choque de culturas devido aos romanos invadirem as terras célticas e introduzirem o cristianismo.
Origem Cristã
Apesar do encontro entre as duas culturas, o catolicismo, desde o século IV, tinha seu próprio dia para celebrar “Todos os Mártires” da igreja. Uma data dedicada a comemorar e lembrar das pessoas que tiveram a vida transformadas pela fé, mas ela até então não era celebrada no dia 31 de outubro, e sim no dia 13 de maio.
31 de outubro foi estabelecido como principal data do Halloween devido às atividades de três importantes papas.
Primeiro, o papa Bonifácio IV assumiu um dos templos em honra a todos os deuses pagãos e o transformou, dedicando a “Todos os Santos” da igreja católica e escolhendo o 1º de novembro para homenagear à capela.
Posteriormente, o papa Gregório III conciliou a comemoração de Todos os Mártires (13 de maio) com a homenagem da Capela de Todos os Santos (1 de novembro), fechando esta última como data oficial. Contudo a comemoração ainda era algo isolado naquela região. Somente em 840, o papa Gregório IV ordenou que a data fosse comemorada universalmente. Mas o que tudo isso tema ver com dia 31 de outubro do Halloween?⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Como o Dia de Todos os Santos era uma data muito importante para a igreja, o cortejo ganhou mais duas festas – uma de véspera e outra posterior – e ficou organizada da seguinte forma:
- 31 de outubro – Allhallowtide, a Noite de Todos os Santos; nesta noite de véspera, os fiéis rezavam por todos os mortos, sem distinção. (Nota: All Hallow’s Eve = Halloween; pelo sincretismo religioso, algumas tradições celtas foram mantidas).
- 1 de novembro – Hallowtide, Dia de Todos os Santos; este era dedicado apenas aos santos da igreja católica.
- 2 de novembro – Allsaintstide, Dia de Todas as Almas; já este era dedicado a todos os cristãos fiéis e parentes convertidos na hora da morte.
Com a invasão romana nas ilhas da Grã-Bretanha, as tradições católicas e célticas de celebração dos mortos se misturaram. Como os celtas transmitiam sua cultura oralmente, ela passou a ser esquecida e modificada pela igreja. Muito do que se conhece hoje sobre o Halloween, inclusive, sobreviveu graças à absorção da cultura celta pela cristã, que desenvolveu o costume de documentar tudo o que aprendia.
O Halloween no século XXI
Como nasceu o costume de usar fantasias sombras, decorar a casa e sair por aí recolhendo doces gritando “gostosuras ou travessuras”? Tudo isso foi se estabelecendo como celebração do Halloween através do passar dos anos devido às comemorações particulares de cada povo.
Por exemplo, de acordo com a origem celta, o véu entre os dois mundos estava frágil, por isso os mortos podiam caminhar no mundo dos vivos na época do Halloween – os católicos também acreditavam nisso – entretanto os cristãos achavam que não apenas os bons espíritos caminhariam pela terra (os protestantes os encaravam como demônios) então, para assustá-los e impedir que um espírito reconhecesse um vivo, costumava-se usar máscaras ou pintar o rosto, ocultando assim sua identidade.
De acordo com os celtas, os espíritos quando reconheciam seus familiares ficavam acompanhando-os e não queriam voltar para o mundo perfeito da morte.
Outro fator que contribuiu para o imaginário acerca do Halloween foi a peste negra (XIV e XV). Ela matou metade da população europeia, criando nos católicos um grande temor da morte e consequentemente o aumento dos cultos religiosos. Estes eram seguidos por encenações e danças com pessoas fantasiadas, inclusive da personagem Morte, a quem todos um dia chegaria. Alguns fiéis, na data, enfeitavam cemitérios com diabos puxando uma série de criaturas para o inferno; papas, reis, padres, leprosos, damas, camponeses etc.
Possivelmente, a evolução destes costumes originou os bailes de máscaras, a tendência de se fantasiar e decorar as casas. Mas e quanto aos doces?
Na idade média, o dia de finados era conhecido como o Souling (“soul” = “alma”). As crianças iam às casas alheias pedindo um “bolo das almas” em troca de uma oração pela alma dos parentes mortos da pessoa. A tradição se manteve durante a idade moderna, quando a expressão “trick or treat” (“gostosuras ou travessuras”) surgiu. Ela teve origem na Inglaterra entre 1500 e 1700 em meio ao protestantismo e teve um marco icônico retratado pela DC Comics nas novelas gráficas “V de Vingança”: o 5 de novembro de Guy Fawkes.
A Gunpowder Plot (Conspiração da Pólvora) era o plano de Guy para explodir o Parlamento inglês e matar o rei protestante Jorge I, restituindo a glória dos católicos oprimidos. Mas o plano foi descoberto no dia 5 de novembro de 1605, quando encontraram pólvora na casa de Guy Fawkes, culminando em seu enforcamento logo em seguida.
Devido ao seu heroísmo – como é considerado pelos católicos – a data de sua morte passou a ser celebrada e existe até hoje, mas muitos protestantes a usavam na época para visitar a casa de católicos e exigir cerveja e pastéis sob a alegação de provocar travessuras; assim nasceu o “trick or treat”. Quando os ingleses chegaram na América do Norte, eles levaram a celebração de Guy Fawkes, mas como os irlandeses já tinha introduzido o Dia de Todos os Santos, os colonos conciliaram a data – já que era próxima – com o Halloween, incorporando a expressão “gostosuras ou travessuras” à festa.
Abóbora: o Símbolo do Halloween
O adereço conhecido como Jack’s Lantern, que é uma abóbora caricata com interior iluminado por uma vela, surgiu da lenda de Jack O’ Lantern (Lanterna de Jack), por isso o nome Jack.
A lenda também fazia parte dos festejos de Samhain na Irlanda – provavelmente pós sincretismo com o cristianismo – e versava sobre Jack, um alcoólatra que em seus porres cruzava com o Diabo, geralmente no dia 31 de outubro, que vinha recolher sua alma ao inferno. Mas Jack era esperto e sempre enganava o Diabo e voltava a viver por mais tempo.
A princípio ele tentava levar uma vida correta para ir ao Céu quando morresse, mas sua determinação falhava e ele voltava a ser o incorrigível cachaceiro e espertalhão. Por isso sua alma foi recusada no Céu. Como estava morto, seu único caminho era o inferno, mas o Diabo, sentindo-se muito humilhado por suas peripécias, o expulsou de lá, porém lhe presenteou com uma brasa capaz de iluminar o limbo, o caminho para fora do inferno. Para que o fogo durasse mais tempo, o Diabo aprisionou a brasa em uma raiz.
Portanto em todo dia 31 de outubro, Jack O’ Lantern passeia entre mundos guiando as almas perdidas com sua lanterna.
Na Irlanda, o costume era usar nabos e beterrabas (que são raízes) com uma luz dentro. Mas com a chegada dos imigrantes na América, eles perceberam que havia muito mais abóboras lá que as raízes tradicionalmente utilizadas, então passaram a usá-las, construindo assim o símbolo do Halloween.