Mudbound é um filme agridoce, que veio no momento e no tempo certo. Não só por seu tema, mas por sua importância. O filme da Netflix foi dirigido por uma mulher negra, com metade do elenco negro e com uma diretora de fotografia que acaba de ser indicada ao Oscar, a primeira em toda a história da premiação.
O longa, narrado por diversos personagens, mergulha no interior do estado americano durante a segunda guerra mundial e conta a história de duas famílias. De um lado uma família branca que se muda para o Mississipi e do outro uma família negra que trabalha para eles.
Cada um com seus dramas, depressões e demônios para enfrentar. Uma relação que apesar da proximidade é acompanhada pelo abismo social que o racismo carrega. Ambas as famílias têm suas vidas transformadas no momento em que seus entes queridos voltam da guerra. Ironicamente, devido ao trauma da experiência os rapazes interpretados por Jason Mitchell e Garrett Hedlund se tornam amigos e essa é a faísca que transforma as plantações de algodão do interior em uma paisagem cheia de lágrimas, sangue e Ku Klux Klan – numa alusão triste, mas necessária ao filme O Nascimento de Uma Nação (1915).
O fato é que uma amizade de igual para igual entre pessoas de raças diferentes acaba se tornando o catalisador para uma série de eventos onde as emoções reprimidas pela sociedade vem à tona. Cada um dos personagens tem uma guerra particular para lutar, mas todas elas estão entrelaçadas pela tristeza na alma que eles carregam. Seja pela esperança de um futuro melhor que não veio, uma história de amor não realizada, uma ferida na alma feita pela guerra ou a desilusão de viver a margem de uma sociedade por ter nascido negro.
Mudbound não é o melhor filme do Oscar, muito menos da Netflix, mas ele é um filme que veio no momento certo. Onde todos os longas indicados às premiações levantam o debate político do que é humanidade e como nós estamos perdendo ela aos poucos.
É preciso frisar a importância das mulheres nesse filme. Tanto nos bastidores quanto diante das câmeras. Dee Rees, apesar de nova, chama para si a responsabilidade de dirigir um filme poderoso e tocante, algo que sem dúvida tem um sentimento especial para ela por ser negra, assim como 12 Anos de Escravidão foi para Steve McQueen, que nas palavras dele: “O mundo precisa conhecer essas histórias, por que elas são reais!”.
Rachel Morrison é a primeira mulher a ser indicada ao Oscar na categoria de melhor fotografia, indicação essa muito justa já que ela e Rees nos ajudam a entrar de cabeça no filme, como se fizéssemos parte da fazenda. Sentindo o calor e a sujeira que estão lá.
Destaque para as atuações de Mary J. Blige que traduz de forma bela e simples a mãe que deseja o melhor para seus filhos, mesmo que isso signifique abrir mão de si própria. Ela foi indicada em duas categorias nesse Oscar, melhor atriz coadjuvante e melhor canção original. Quem também se destaca de forma espetacular é Rob Morgan que só não conseguiu uma indicação devido aos concorrentes de peso.
A chance de Mudbound sair com um prêmio em mãos é difícil, para não dizer impossível. Mas o filme sem dúvida já fez história para a Netflix. E nesses tempos sombrios, quanto mais remexerem em feridas do passado melhor será.
https://www.youtube.com/watch?v=xucHiOAa8Rs
https://www.youtube.com/watch?v=hmCGYF0fBRM&t=6s