ESSE ARTIGO CONTEM SPOILER. LEIA POR SUA CONTA E RISCO 😉
“Portanto assim diz o Senhor: Eis que trarei mal sobre eles, de que não poderão escapar; e clamarão a mim, mas eu não os ouvirei.” – Jeremias 11:11, essa é a passagem bíblica presente no longa do diretor Jordan Peele, Nós, um filme que se trata da vingança contra a
humanidade; um mal cuja as pessoas jamais conseguirão fugir, e quando implorarem por misericórdia, essas trevas vingativas não os atenderam.
“Nós” tem Lupita Nyong’o como Adelaide e Red protagonizando uma estoria que fala sobre como ela e seu marido, Gabe (Winston Duke) levaram seus filhos, Zora (Shahadi Wright Joseph) e Jason (Evan Alex), para passar o fim de semana na praia e descansar. Eles
começam a aproveitar o ensolarado local, mas a chegada de um grupo misterioso muda tudo e a família se torna refém de seres com aparências iguais às suas.
Assim como “Corra!”, que é a anterior obra do cineasta Jordan Peele, “Nós” também está recheado de simbolismo e uma dura crítica social. Mas vamos pelo começo…
Na minha percepção, “Nós” tem dois inícios. O primeiro é quando vemos a jovem Adelaide assistindo a um comercial na TV (que será de extrema importância no final do filme); e depois, no momento em que ela e seus pais estão no parque, mas a Adelaide se distancia
deles e termina encontrando sua cópia na casa de espelhos. O segundo é com os créditos iniciais e um close no olho de um coelho, à medida que a câmera se distancia, vários coelhos enjaulados são revelados – nesse momento já temos o nosso primeiro simbolismo.
Os coelhos, na cultura popular, representam o recomeço, ressureição, redenção; isso porque eles têm uma famosa capacidade de reprodução. No filme os coelhos retratam as sombras, as cópias dos verdadeiros – sendo assim na primeira cena, de todos aqueles coelhos que vemos, apenas três são negros. Eu acredito que os coelhos brancos representam as duplicatas e os negros, os originais. Por isso existe apenas três animais escuros no plano, porque apesar da família protagonista ser formada por quatro membros, só o pai, o filho e a filha são os originais.
Como eu disse, este é um longa cheio de signos e interpretações, então vamos destrincha-los em tópicos.
Vermelho
“O que vocês são?”
“Somos Americanos” – essa é a resposta de Red para pergunta feita por Gabe. Os EUA é uma figura relembrada durante todo o filme, e não só nas cores de vários objetos e cenários, mas também nas roupas dos doppelgangers (duplicatas), nesse caso, é especificamente o vermelho, que não só denota a violência e a cor do sangue, mas também uma das três cores da América.
O trecho seguinte foi retirado de um dos sites que foram minha fonte de pesquisa, o site “plano aberto”. O que é levantado é muito interessante para o debate sobre a obra, então achei bom trazer para vocês.
O nome original do filme (“Us”) é um acrônimo de United States. O próprio Jordan Peele brincou com o tema em seu Twitter. Isso permite interpretar o filme como uma metáfora sobre os Estados Unidos e sua histórica luta de classes, com um grupo “superior” e outro “inferior”.
Quando os pais de Adelaide a levam à psicóloga, perguntam como fazer a filha voltar a falar. A profissional responde que eles devem estimular a filha a desenhar, dançar, “qualquer coisa que nos ajude a saber a história dela” (“anything that help us to know her story”). Admitindo que “us” é “U.S.”, Peele diz nas entrelinhas que a arte para uma criança negra, independente da forma, é uma ferramenta identitária. “Qualquer coisa que ajude os Estados Unidos a saber
a história dela”.
Embaixo de Nós
Uma das primeiras informações levantadas no filme é sobre onde os doppelgangers vivem. Os tuneis embaixo de nós, além disso ser uma clara referência histórica porque faz alusão a corrida do ouro que aconteceu no século XIX, quando as pessoas cavavam túneis em busca de ouro; também é um signo para a famosa frase “uma luz no fim do túnel”, que nesse caso é a luz (esperança) para libertação e para um novo mundo.
A Arma
A arma usada pelas sombras é uma tesoura, o símbolo aqui é exatamente que uma tesoura é como duas facas ligadas, duas partes de um todo, assim como nós e nossas sombras, mas ao se juntarem, cortam. Isso pode ser visto como uma batalha sangrenta entre as duas metades, ou como “cortar a povo da superfície para que os do subterrâneo dominem”. Muitas interpretações para um simples objeto, mas essa é a graça de uma boa obra cinematográfica.
Plot Twist
A reviravolta do longa surpreende a todos. Durante vários seguimentos vemos a Adelaide atingir um lado mais selvagem e agressivo, como se estivesse se tornando uma das sombras, mas então descobrimos que ela sempre foi a duplicata, porém não se lembrava, isso porque ela era muito pequena e conforme fosse crescendo e aprendendo novas coisas, como falar e se comportar como alguém da sociedade, ela esquecia sua verdadeira origem e ficou apenas com uma vaga lembrança de ter visto ela mesma na casa de espelhos, de resto seu cérebro construiu uma nova memória para que assim se tornasse mais fácil a adaptação.
Tanto a Adelaide quanto a Red se esqueceram de quem realmente eram. Dessa vez o significado nas entrelinhas é tão obvio que se torna um parágrafo inteiro. As duas partes de um todo sofreram um tipo de lavagem cerebral da sociedade, aprendendo novos costumes, se adaptando a um novo estilo de vida, e deixando de ser quem realmente era para se tornar o que a sociedade espera que ela fosse, pondo uma máscara em seu rosto e a colocando em uma peça de teatro, onde ela finge ser quem não é até se acostumar com a ideia e adotar essa nova identidade.
“Nós” é um ótimo filme para o Halloween e ainda passar os próximos dias pensando sobre a obra. Um suspense com diversos conceitos interessantes e reflexivos, apesar de ter seus problemas, como um humor fora de hora, ainda é um filmaço para se assistir e pensar sobre
como “nós somos os nossos maiores inimigos”.