Apesar de ser um tema comum no cinema, o diretor Destin Cretton (“Temporário 12”, “I Am Not a Hipster”) fez da biografia da escritora e jornalista Jeannette Walls um longa digno de fazer todo mundo refletir sobre suas relações familiares. Ele conta a história de uma família pobre, não conformista que se apoia na figura paterna, Rex (Woody Harrelson - “Jogos Vorazes”, “Onde os Fracos Não Tem Vez”) um engenheiro que tenta incentivar a imaginação e o sentimentos de esperança, a fim de distraí-los das dificuldades diárias.
O longa utiliza a ótica de Jeannette para narrar essa trajetória e constantemente compara o passado e presente da personagem para explicar sua personalidade e motivações. Na primeira cena Jeannette (Brie Larson - “O Quarto de Jack”, “Kong - A Ilha da Caveira”) e seu noivo David (Max Greenfield - “A Grande Aposta”) jantam em um luxuoso restaurante a negócios. Seu marido, um rico banqueiro, tenta fechar contrato com um figurão da alta sociedade. Em meio a conversa, Jeannette é questionada sobre sua família e muito encabulada em revelar sua origem humilde, opta por sustentar uma história falaciosa.
Ao fim do jantar, Jeannette pega um táxi para casa, quando é surpreendida no meio do caminho por aparentes moradores de rua que obstruem a passagem do veículo. Para sua surpresa as figuras rotas eram seus pais. Ela os observa com certa surpresa e vergonha enquanto o veículo consegue passagem e se afasta. Mas antes que possamos sentir qualquer sentimento negativo pela conduta omissa da personagem, somos catapultados para vinte anos antes, para enfim compreendermos seu comportamento sintomático e o que levou os pais a esta situação.
A narrativa que se sucede mostra diversas situações em que reafirmam as dificuldades enfrentadas, mas em contrapartida a união, a persistência e a forte filosofia entranhada na base familiar. Diversas vezes o diretor faz questão de nos guiar a sentimentos contraditórios, que ora compreendem parte da loucura vivida, mas em outros momentos nos questionamos se aquilo realmente pode dar certo. Os pais de Jeannette, Rex e Rose Mary, são geniosos, temperamentais, relapsos, egoístas, negligentes e completamente disfuncionais. Ao longo da história as crianças da família Wall são submetidas à todo tipo de risco, abandono e perigo, muitas vezes naturalizado.
Além de Jeannette, nas mesmas condições vivem outros três filhos do casal: Brian (Josh Caras - “Três Vezes Amor”), Lori (Sarah Snook - “Steve Jobs”) e Maureen (Brigette Lundy-Paine - “O Homem Irracional”), que também enfrentam os mesmos dramas. Como se já não bastasse a pobreza, os problemas tornam-se ainda piores com o alcoolismo enfrentado por Rex, um homem inteligente que não gosta de seguir regras, mas sente necessidade de impor suas próprias normas sem enfrentar nenhuma objeção, além de mudá-las conforme seus interesses. Constantemente submete seus filhos a algum tipo de prova, obrigando-os a lidar precocemente com as circunstâncias mais adversas da vida, como as constantes mudanças de cidade, as brigas violentas com a esposa, sua instabilidade emocional, sua embriaguez e até mesmo com a falta de comida em casa. Rex faz muitas promessas que não cumpre, gerando em seus filhos uma grande frustração e uma das mais importantes, que deu nome ao longa, é de um dia construir uma casa quase toda em vidro, assunto que ele toca diversas vezes na tentativa de trazer esperança e o perdão de Jeannette, que sonha em vê-la pronta.
Como a narrativa vai e volta no tempo com frequência é possível ir desvendando o pano de fundo dos personagens e até do próprio pai, que em um determinado instante da história se vê obrigado a voltar a casa de sua mãe e lá descobrimos a origem de suas perturbações e desequilíbrio.
O título da obra funciona como a grande metáfora da relação entre Rex e Jeannette. Sob os aspectos técnicos, o filme se mostra eficiência, a fotografia de Brett Pawlak não deixa a desejar e uma trilha sonora que não é tão marcante, mas que funciona na sua forma sutil. A direção das cenas junto a construção do roteiro também foi bastante feliz, pois mesmo se tratando de um tema corriqueiro no cinema, o diretor soube dar bastante importância a construção dos personagens sem deixar que o pano de fundo afetasse esse processo.
A história que começa nos anos 60 no auge publicitário do american way, passando pelo período dos baby boomers, consegue aproximar bastante o espectador da narrativa com uma pegada bastante geracional norte americana. A pegada confessional utilizada por Jeannette mantida no filme, gera ainda uma maior aproximação, evitando um olhar distanciado, gerando ainda mais empatia. Outro grande êxito de Destin Cretton é utilizar personagens densos e representativos sem parecer caricatos. Não se trata daquela família clichê, com frases e problemas prontos, mas um nicho de características dramáticas, preocupantes e complexas o suficiente para não se limitarem em vilania e virtuose. Por vezes as atitudes dos personagens dividem o público em situações de consternação e afeto, dando um um “quê” totalmente orgânico ao enredo, como uma família da vida real.
Com um elenco não menos habilidoso que seu diretor, quem mais se destaca é Woody Harrelson em um dos melhores papéis de sua carreira, ele vive Rex com uma categoria tão autêntica e parece compreender que seu personagem é a total representação do homem trágico e dramático, que atravessou todas as transformações e problematizações de sua época sem evadir dos traumas, consequentemente os transferindo de alguma forma para a história de sua família. Woody Harrelson faz de Rex um personagem que vai de sonhador à um frágil desesperado sem medo de se mostrar.