‘O Estranho Que Nós Amamos’ é uma releitura do filme de 1971 dirigido Don Siegel; dessa vez a nova versão conta a maravilhosa Sophia Coppola na direção e estrelas como Elle Fanning (20th century women), Kirsten Dunst (Melancolia), Nicole Kidman (Os outros) e Colin Farrell (Animais fantásticos e onde habitam) no elenco.
Como num flashback, o longa nos leva para a Guerra Civil norte americana, na Virgínia, no ano de 1984. A trama começa quando o cabo John McBurney (Farrell), que foi ferido em combate, é encontrado no meio da floresta, pela pequena e determinada Amy. Num gesto de bondade, a jovem o leva para onde mora – um internato feminino – para que ele possa ser tratado e assim, ser entregue para as autoridades. Além de Ahmy, o internato tem mais 6 mulheres que moram, cuidam e estudam na casa gerenciada pela séria e firme Martha Farnsworth (Kidman). Com a chegada do Cabo, que a princípio era um inimigo a ser combatido, a rotina das mulheres da casa começa a mudar, desejos e interesses surgem e todas começam a voltar parte de seus dias para ele, principalmente Edwina (Kirsten Dunst) e Alicia (Fanning).
Ao construir esse cenário, comumente espera-se que o filme fosse rolar ladeira abaixo, sentido uma disputa entre mulheres pelo homem ganharão. Mas surpreendentemente, não é nessa disputa que o filme se foca, mas sim em apresentar o lado machista psicótico de McBurney e o medo das mulheres ao ter de enfrentá-lo em meio ao seus surtos, após ele não conseguir sair ileso de suas artimanhas amorosas.
Coppola se saiu muito bem ao dirigir e roteirizar o filme, retirando o endeusamento do homem, pedofilia e todos os assuntos concomitantes que não acrescentavam em quase nada pra história do primeiro filme. A diretora e roteirista reduz o número de personagens para 8 e os coloca quase o tempo todo dentro de um único cenário, conseguindo construir os personagens e história tão bem, que eles conseguem se bastar para construir um bom filme que cria vários momentos de tensão como prometido.
Os personagens mais interessantes do filme são: Alicia (Elle Fanning), a rebelde ‘dirty’, que é uma mulher com uma visão muito a frente de seu tempo, conseguindo com suas atitudes e caras de tédio para as tarefas tradicionais quebrar por um lado a tensão do ambiente; o Cabo John (Colin Farrell) que não é tão garanhão sedutor como na primeira versão -o que é positivo-, mas sim um galanteador mais discreto, que arma uma teia de romances em baixo dos panos, pronto para mostrar todas as suas garras no momento em que fosse contrariado; e claro, Amy (Oona Laurence), a melhor personagem do filme. Ao mesmo tempo em que é uma menina nova e inocente, ela é tem personalidade e força para tomar atitudes, se destacando muito na sua atuação que foi perfeita em todos os sentidos, mantendo unidade em quem a personagem era em sua essência do inicio ao fim, mesmo quando ela se decepcionou.
A personagem de Nicole Kidman, Elle, apesar de ser a gerenciadora do internato que luta para deixar as coisas no eixo, não tem muitos holofotes sobre ela, mas – como sempre – a atriz tem uma interpretação impecável, já Kirsten Dunst interpreta a personagem mais reprimida, que não cativa tanto quanto as outros e em certo momento, até decepciona quem espera uma atitude de maior impacto dela.
O longa é baseado no livro ‘The Beguiled’ e segue o mesmo ponto de vista dele, focando mais na essência e construção das personagens, tentando colocar a todo momento o ponto de vista feminino em destaque. Coppola foi uma excelente escolha de diretora, para fazer essa mudança de ponto de vista, colocando uma história ‘antiga’ de frente com diversos tipos de estereótipos e construções sociais, que estão caindo a cada dia que passa mais e mais por terra. Quando comparado ao livro, ela apenas o atualiza; porém, quando comparado ao filme de 1971, ela o reformula colocando as suas características com uma pitada de movimentos do século XXI.
A trilha sonora do filme é apenas os sons da natureza e pássaros, com uns toques da guerra ao fundo, mas não deixa a desejar em momento nenhum, os sons falam por si e complementam a trama. A fotografia tem um tom gótico-mórbido, que ajuda a dar o toque de tensão e desejo ao filme; abusando de luz e cenário naturais maravilhosos, a fotografia consegue ter um toque antigo deslumbrante, que se completa com os figurinos certíssimos, cheios de detalhes e super importantes para encaixar o filme na história.
O filme é compacto e muito bem roteirizado e dirigido, se tornando uma versão melhor construída, e mais correta socialmente, do filme de 1971.
‘O Estranho Que Nós Amamos’ agradará quem está disposto a manter a mente fora da caixa e nos dias atuais, deixando de lado rixas de opinião e o clássico, “o original é melhor”. Coppola consegue enfim trazer para a telona, o ponto de vista feminino que tanto faltou na primeira tentativa, e que as pessoas precisavam ver, para conseguirem apreciar todo o potencial do longa. As personagens femininas mostram que se unir e se empoderar, é necessário desde sempre e continuará sendo necessário, para sempre!