O menino de vestido veio pela editora Intrínseca em 2014, escrito por David Walliams e ilustrado por Quentin Blake. O assunto abordado é atemporal e necessário, principalmente dentro da faixa etária recomendada para sua leitura, a partir de 10 anos.
Dennis é um menino com uma vida para lá de conturbada. Sua mãe acaba de abandoná-lo, seu irmão é um adolescente chato que ama implicar e seu pai, deprimido com o fim da relação, tornou-se uma pessoa rígida a ponto de impor regras absurdas, como não poder mostrar afeto ou tristeza dentro de casa. Mas as únicas coisas que oferecem tranquilidade para Dennis é jogar futebol e… admirar lindos vestidos na revista Vogue que comprou escondido do pai. É isso mesmo! O menino é apaixonado por vestidos e isso não é um problema… ou será que é?
“Nada de falar sobre a mamãe.
Nada de choro.
E a pior de todas: nada de abraços”
Dennis se sentia incomodado com o seu hobbie secreto até conhecer Lisa durante uma detenção. O amor de sua vida tinha dois anos a mais que ele e era muito estilosa. Ao se tornarem amigos, a menina o encoraja a experimentar um vestido do qual ela mesmo costurou e, a partir desse dia, a vida do garoto pula de monótona e tediosa para extraordinária.
Infelizmente, a história da vida de Dennis é mais comum do que se imagina. Durante toda a narrativa, o menino deixa claro que sente muita falta de sua mãe e de como sua família se desestruturou logo após o abandono. Em meio aos alívios cômicos, como o diálogo entre autor e seus leitores, ainda resta a melancolia de uma criança tentando agradar seu pai para receber um pouco de atenção.
Um dos pontos a serem citados como positivo, é o valor da amizade. Mesmo com toda negação dentro de casa, Dennis tem Lisa e Darvesh como porto seguro. Com ou sem vestido, o menino pode contar com ambos para desabafar sobre suas inseguranças. Algumas cenas são repletas de diálogos sobre preconceito e bullying, de forma simples para que os pequenos leitores compreendam a gravidade das práticas.
“— Bem, eu odeio essas regras chatas que dizem o que as pessoas devem ou não vestir. Com certeza todo mundo devia poder usar o que tivesse vontade, não?
— É, acho que sim — disse Dennis.
Na verdade, ele nunca tinha sido encorajado a pensar sobre isso antes. Ela estava certa. Qual o problema em se vestir como quisesse?”
Os personagens das histórias de David Walliams são trabalhados de forma brilhante, independente do quanto aparecem. Raj, por exemplo, homem indiano que trabalha como jornaleiro, é uma de suas personalidades mais famosas, presente em quase todos os livros da coleção. Esse faz o papel de vendedor esperto, mesmo não sendo muito levado a sério pelas figuras principais.
Normalmente seus livros reclamam sobre aspectos além do esperado dentro de um livro infantil. Assim como esse, acerca da sexualidade e preconceito, outros exemplares da coleção contam com pautas como amor de família, morte, medo e muito mais. Tudo escrito em uma linguagem inteligente e sem subjugar o intelecto infantil.
“Na verdade, Dennis sabia exatamente o que o pai procurava. Ele tinha um exemplar de uma revista masculina como as que ficavam na prateleira mais alta da banca de Raj. Às vezes John entrava escondido no quarto do pai e surrupiava a revista. Dennis já tinha dado uma olhada também, mas não achava aquilo tão divertido. Ficava desapontado quando as mulheres tiravam a roupa. Preferia ver o que elas vestiam.”
Não é à toa que David Walliams é considerado um fenômeno da literatura infanto juvenil na Inglaterra. Nos anos 2012, 2013 e 2014, recebeu o maior prêmio literário britânico, o Nacional Book Awards. Muitos detalhes de seus livros são inigualáveis, com ênfase no seu bom humor diferenciado
“—Você é um &**%$£% completo!
Ops, me desculpem. Sei que, apesar de crianças de verdade falarem palavrão, não se pode escrever palavrões em livros infantis. Por favor, me perdoem, é a &**%$£% da regra!”
O menino de vestido é uma literatura que cutuca a ferida de alguns adultos, o título ajuda a chocar e ir direto ao ponto. Mas a verdade é que essas são as pessoas que deveriam repensar o preconceito e dar uma chance à obra que, por sinal, é importantíssima e um dos melhores livros do autor.