Ontem (14) completou-se 107 anos que o navio mais famoso do mundo bateu em um iceberg na travessia do Atlântico. O RMS Titanic era um transatlântico colossal em sua época, mas ganhou muito mais popularidade ao longo dos séculos devido ao seu trágico fim que levou mais de 1.500 pessoas à morte na madrugada de 15 de abril 1912, quando ele submergiu no oceano.
Muitos filmes, livros, matérias, documentários e até um museu foram produzidos na tentativa de preservar a história do navio, para que nunca mais se repetisse os erros cometidos naquela época. A produção mais popular foi o filme Titanic (1997) dirigido por James Cameron.
O longa-metragem foi indicado a 14 Oscars e venceu em 11 categorias, incluindo o de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Fotografia e Melhor Canção Original na voz de Celine Dion. A música “My Heart Will Go On” também ganhou o Grammy Award e venceu em todas as categorias das quais foi indicada. O filme conquistou outros prêmios como o Globo de Ouro, Empire Awards, People’s Choice Awards e o MTV Movie Awards. No BAFTA Film Award, Titanic teve dez indicações, mas não recebeu nenhum título.
Apesar de sua fama e notoriedade – é quase impossível ter alguém que não conheça esta história – o Titanic foi posto em perspectiva em 2017, quando James Cameron participou de um documentário com o intuito de descobrir onde a produção cinematográfica acertou e errou, tendo em consideração as novas explorações com o avanço tecnológico.
Apesar de muitos acertos, houve algumas divergências. O filme também deixou de lado algumas histórias e curiosidades interessantes. No documentário, James Cameron conversa com o descobridor dos escombros, Robert Ballard, e com descendentes dos sobreviventes do Titanic.
A DESCOBERTA DA RUÍNA
Uma das histórias ignoradas no filme é justamente a mais importante: a descoberta dos destroços do navio. Até 1985 o Titanic estava perdido no fundo do Oceano Atlântico Norte e permaneceria assim se o oceanógrafo Robert Ballard não o tivesse encontrado.
A empreitada para descobrir o navio naufragado foi um bode expiatório para a missão secreta que Ballard recebeu da Marinha dos EUA. Eles queriam descobrir onde e o quê havia acontecido a dois submarinos nucleares que naufragaram na década de 1960. O oceanógrafo tinha o sonho de descobrir o Titanic e acordou com a Marinha que aceitaria a missão se ele pudesse fazê-lo.
A procura pelos submarinos acabou preparando Robert Ballard para encontrar o navio, pois ele testemunhou um cenário de destruição com vários escombros espalhados por toda parte. Ballard então pensou que a estratégia para achar o Titanic não deveria ser procurar por ele, mas sim pelos seus destroços. A primeira peça com a qual se deparou foi a caldeira do navio.
A COLISÃO COM O ICEBERG
Muito bem retratada no filme de James Cameron, a colisão do Titanic com o iceberg aconteceu às 23h40 minutos da noite de 14 de abril de 1912. O momento fatídico que encerrou a operação do maior navio do mundo até então foi muito questionado ao longo dos anos. Como poderia ter sido evitado?
Por muito tempo a culpa recaiu sobre o capitão Edward John Smith, sobre o os operadores do telégrafo, sobre o engenheiro Thomas Andrews, sobre os rebites de “segunda mão” e sobre desígnios divinos. Mas após décadas de pesquisas e testes, observou-se que não houve um culpado pelo naufrágio, mas um conjunto de fatores que, talvez, poderia ter sido evitado.
Exatamente como no filme, o capitão Edward John Smith mandou aumentar a velocidade do navio após receber avisos de gelo, tornando-se um alvo fácil de se culpar. Mas o que o longa não mostrou foi o motivo por ele ter feito isso. Smith, na verdade, quando recebeu os avisos, desviou o navio da rota que ele estava seguindo para sair do caminho das geleiras e mandou aumentar a velocidade para recuperar o tempo perdido com o deslocamento. Sua atitude foi considerada concernente aos procedimentos da época. Outros capitães teriam feito o mesmo.
O filme conta de forma bem rasa a história dos operadores de telégrafo. Eles ficaram trabalhando praticamente até o momento crucial do naufrágio e conseguiram contatar vários navios. Houve um problema na máquina que eles operavam e, segundo o manual, eles deveriam deixá-la quebrada até chegar ao destino, onde profissionais habilitados a consertariam. Porém o navio estava afundando e se os operadores não tivessem desrespeitado essa regra e dado um jeito no telégrafo, talvez o desastre poderia ter sido maior. Dentre os navios contatados, o Carpathia respondeu ao pedido de socorro e era o que estava mais perto, mas só chegaria ao local 4h depois.
Muitos testes foram realizados para simular o impacto da colisão sobre os materiais do navio, principalmente sobre os rebites. Alguns demoraram mais que outros, mas todos cederam, pois os que costuravam as chapas de aço da proa do navio eram de ferro forjado com um material próximo do vidro.
Concluiu-se que o Titanic era realmente um navio extraordinário, muito bem construído para os padrões da época, mas que fora submetido a circunstâncias inimagináveis.
Edward John Smith, Thomas Andrews o oficial Wilde foram considerados heróis por alguns sobreviventes, pois durante todo o tempo do naufrágio, eles interpelavam através de megafone para que os botes retornassem ao navio. A maioria deles tinha partido com meia lotação porque alguns oficiais acreditavam que as cordas não suportariam o peso ou que isso faria os botes virarem.
NAVIO INAFUNDÁVEL
O adjetivo que o Titanic possuía fazia os passageiros se sentirem seguros. Até os construtores acreditavam que ele não poderia afundar porque contava com a alta tecnologia da época, seus compartimentos à prova d’água. Devido a sua fama, os botes salva-vidas foram reduzidos progressivamente até chegar a 20, o que, por incrível que pareça, estava acima do exigido por lei.
“Nem Deus afundaria este navio”
A famosa frase que assegurava a potência do Titanic foi dita por Caledon Hockley (Billy Zane) no filme, mas ela não foi atribuída a uma pessoa específica. Um marinheiro disse isso a um repórter e a mídia divulgou para emancipar sua característica inafundável.
OS IRMÃOS DO TITANIC
Outro detalhe ignorado pelo filme refere-se a outros navios também requisitados pela White Star Line na mesma época.
O Royal Mail Ship Titanic (RMS Titanic) era o segundo navio de um projeto audacioso que visava a construção de três navios que superariam em tamanho e luxo todos os que já haviam sido produzidos até então. Seriam eles Olympic, o Titanic e o Gigantic, em homenagem as três principais raças gregas (olimpianos, titãs e gigantes).
O RMS Olympic foi o primeiro deles a ser construído (1908) e a fazer a viagem inaugural (1911), também capitaneado por Edward John Smith. O terceiro começou a ser construído após o RMS Titanic e, devido à tragédia, mudou de nome para HMHS Britannic.
Além de sequer ter sido mencionado no filme, o RMS Olympic também passou por provações semelhantes e, na noite do naufrágio, recebeu o pedido de socorro do navio irmão e o atendeu, contudo estava muito longe.
Já o Britannic também naufragou, mas diferente do Titanic, não se tornou um desastre porque a maioria dos passageiros foi salva. Alguns fatores tornaram isso possível: naufrágio do navio irmão revolucionou as normas de seguranças marítimas; o Britannic afundou no Mar Mediterrâneo, que possui temperatura mais quente que o Oceano Atlântico; e ele estava próximo às ilhas gregas.
“Música para se morrer afogado, agora eu sei que estou na primeira classe”
A frase dita por Tommy no filme Titanic ilustra um fato bastante conhecido que foi fielmente retratado na megaprodução.
Às 00h58, a orquestra migrou do grande salão para o convés principal, onde ficava os botes, a pedido do capitão. Ele queria que a música evitasse o pânico. Os músicos então tocaram até o final, mesmo depois de perceberem que não seriam salvos.
Eles foram considerados heróis pelos sobreviventes e parentes das vítimas. Seus familiares receberam várias cartas com mensagens de consolo dessas pessoas, mas da White Star Line veio apenas uma conta pelos uniformes.
Os músicos tinham passagens de segunda classe como forma de pagamento por seus serviços, portanto eles não recebiam salários. Os smokings que trajavam pertenciam à empresa, pois naquela época estes artigos da moda não podiam ser comprados por qualquer um devido ao seu alto preço.
MICROCOSMO SOCIAL
Talvez seja esta a melhor e a mais fiel ilustração do filme. O navio representava a concentração da ordem social bem definida daquela época. Os conveses do navio foram distribuídos por ordem de importância, colocando os ricos no topo, a criadagem e os artistas no meio e toda a classe proletária no fundo.
Provavelmente foi a metáfora sólida que fez Titanic ter grande apelo na conquista de seus prêmios. A discussão social feita apenas com a disposição desses elementos engrandece a produção porque mesmo em 1997 (quando longa chegou na telona) ainda se observava uma sociedade com características fieis àquela de 1912.
O romance de Jack Dawson (Leonardo DiCaprio) e Rose DeWitt Bukater (Kate Winslet) também evidencia a relação entre as distinções sociais. Apesar de ser o clássico modelo de “príncipe salva a princesa”, o clichê foi bem empregado no filme porque Rose estava se sentindo vazia em seu mundo de superficialidade. Para ela, que era uma mulher aventureira, isso era o oposto de viver, era o mesmo que estar morta. Por isso Jack aparece como uma alternativa, salvando-a da morte ao lhe prospectar uma vida cheia de aventuras pela frente.
“Fazer cada dia valer a pena”
A emblemática frase de Jack Dawson explicita a premissa do filme: você nunca sabe quando vai ser seu último dia de vida, então faça o hoje valer a pena.
As pessoas da primeira classe são retratadas gastando todo o tempo da viagem com frivolidades, sustentando a divisão social. Porém quando o Titanic afunda, a viagem chega ao fim para todo mundo.
Ricos, oficiais da marinha, capitão renomado ou proletários… não importa a classe. Todos estavam no mesmo barco e este barco afundou.
TESOUROS PERDIDOS NO NAUFRÁGIO
O naufrágio, além de matar mais de 1.500 pessoas, levou alguns tesouros para o fundo do mar. Apesar de o diamante azul “O Coração do Oceano” ser factual, ele não faz parte da história real do Titanic. Entretanto no navio existia uma coleção com centenas de diamantes avaliados em cerca de US$ 500 millhões (R$ 1,8 bilhão). Expedições tentam encontrá-las desde o final do século XX.
Quem assistiu ao filme se lembra dos quadros de Pablo Picasso e Monet espalhados pelo camarote de Cal; esta foi uma maneira que o filme encontrou para representar um dos quadros mais caros perdido no naufrágio verdadeiro: La Circassienne au bain. A tela possui o valor estimado em US$ 2,5 milhão (R$ 9,2 milhões).
Também é impossível esquecer o carro em que Rose e Jack fizeram amor pela primeira e única vez. Ele realmente existiu e afundou junto com o navio. O modelo Renault Couple de Ville foi fabricado em 1912 e era o automóvel mais luxuoso até então. Na época ela custava cerca de US$ 5 mil, que convertidos para valores atuais daria aproximadamente US$ 120 mil (RS 440 mil).
Também naufragou com o Titanic uma múmia egípcia que desencadeou diversas lendas a respeito da tragédia ser uma maldição lançada por ela; e o manuscrito persa Rubayiat escrito por um dos filósofos mais importantes do mundo, Omar Cain. O valor desses dois artefatos era incalculável.
VISITAS AO TITANIC
Os destroços do navio mais famoso do mundo estão desaparecendo devido às condições biológicas do fundo do oceano. Em algumas décadas será impossível distinguir a carcaça do Titanic. Ele será apenas um borrão alaranjado.
O problema é que o navio e seus escombros hoje são considerados uma peça histórica, como um museu no fundo do mar, e a preocupação é que futuras gerações não vão ter acesso a ele.
Pensando nisso, a empresa OceanGate organizou uma série de viagens aos destroços do navio. O submarino com espaço para 30 tripulantes – incluindo os passageiros, cientistas e especialistas em mergulho – levaria cerca de 10 a 12 horas para chegar ao local dos escombros. Pelo número limitado de lugares, a passagem é um pouco salgada, custando US$ 105 mil. As viagens estavam previstas para começar este ano.
OUTRAS CURIOSIDADES
1. A megaprodução cinematográfica custou cerca de US$ 200 milhões, mais caro que a construção do próprio Titanic, que teve orçamento aproximado de US$ 130 milhões.
2. O filme de James Cameron ficou com o título de maior bilheteria de todos os tempos por 12 anos até ser superado por Avatar (2009), produção do mesmo diretor. Até hoje, estes dois filmes ocupam o primeiro e segundo lugar, seguido por Star Wars – O Despertar da Força.
3. O desenho de Rose feito por Jack Dawson foi produzido pelo próprio diretor, James Cameron. No ano de 2011, ele foi vendido em leilão por mais de US$ 16 mil. Hoje ele é item de um colecionador.
4. James Cameron visitou varias vezes os destroços do verdadeiro Titanic.
5. Um novo Titanic está sendo produzido na China. O Titanic II, como é chamado, está com viagem inaugural marcada para 2022 e vai navegar pela mesma rota que o primeiro.
6. Acredita-se que se o Titanic tivesse batido de frente no iceberg, ele poderia não ter afundado ou demorado bem mais para fazê-lo, o que resultaria no salvamento da maioria dos passageiros.
7. O navio Californian estava próximo ao Titanic, mas a comunicação entre os navios não se estabeleceu porque mais cedo naquela noite houve interferência e não se pôde escutar mensagem inteligível. O operador do Californian então desligou o aparelho e foi dormir. Alguns relatos dos sobreviventes afirmam que luzes do que se parecia ser outro navio cruzaram o horizonte e, por alguns minutos, acreditou-se na salvação de todos os passageiros.
8. Ocorreu um incêndio na caldeira 6 antes do Titanic iniciar a viagem. O fogo poderia ter enfraquecido a estrutura do navio. Um bombeiro que sobreviveu ao naufrágio disse que viu água entrar naquele compartimento, indicando que o iceberg teria rompido a costura naquele ponto.
10. Nove cachorros estavam no navio quando ele afundou e apenas três deles se salvaram. No início do filme há uma singela homenagem aos bichinhos; um representante da raça lulu da Pomerânia está junto da Rose idosa.
11. O RMS Titanic possuía um diferencial para a terceira classe. Os passageiros eram atendidos por garçons como no grande salão de jantar – com menos luxo evidentemente – e podiam escolher a refeição à La Carte. Eles, que levavam uma vida simples, podiam comer o quanto quisessem durante a viagem. O cardápio, inclusive, se transformava em um cartão postal para que os passageiros compartilhassem com seus conhecidos a excelente experiência no navio. Era uma estratégia de marketing da White Star Line para angariar até os passageiros menos abastados, visto que nos demais navios a terceira classe fazia suas refeições em largos refeitórios cheio de gente, como é equivocadamente mostrado no filme.
12. Estima-se que pelo menos 13 casais estavam comemorando lua de mel no Titanic.
13. Dentre os 700 sobreviventes, houve um japonês que conseguiu retornar a sua terra natal. Mas quando ele chegou lá, foi chamado de covarde por não ter morrido com os demais.
14. O navio podia carregar 64 botes salva-vidas. O plano inicial era de que ele navegasse com 48, mas para o convés não parecer desorganizado, reduziram o numero para 20 botes.
15. Na tarde do dia 14 de abril de 1912 havia um treinamento de emergência marcado pelo capitão, mas ele foi cancelado. Se tivesse acontecido, talvez mais pessoas teriam sido salvas.
16. O assistente de cozinha Charles Joughin conseguiu sobreviver 2h na água porque havia ingerido muito uísque naquela noite. A bebida manteve seu corpo aquecido até ele ser resgatado. A temperatura da água era de – 2º C, o que fez as pessoas morrerem de hipotermia em 15 minutos.
17. A enfermeira Violet Jessop esteve a bordo dos três navios irmãos – o RMS Olympic, o HMHS Britanic e RMS Titanic – em momentos trágicos e sobreviveu a todos eles.
18. A última sobrevivente do naufrágio morreu em 31 de maio de 2009. Millvina Dean tinha poucas semanas de vida quando o Titanic afundou.
Ainda que a megaprodução de James Cameron não seja um retrato exato do que ocorreu naquela fatídica noite de abril, ele se aproxima bastante dos fatos. O filme, porém, ampliou o alcance da trágica história e fez muito mais gente se apaixonar pelo Titanic.
Fonte: History, Titanic em Foco, BBC Brasil, Superinteressante.