Desde a década de 1990, os filmes de espionagem abriram mão das tramas densas e politizadas unilateralmente e tomaram novas formas e narrativas, seguindo entre dois caminhos distintos: ação frenética – como em Missão Impossível (1996-2018) ou Agentes da U.N.C.L.E (2015) – e os que buscam estudar a natureza humana perante um sistema acima do valor de sua própria vida – como Jogo de Espiões (2001) e O Espião que Sabia Demais (2011). Ainda há outro tipo que raramente vemos que se trata de uma mistura dos dois estilos, mas que também dificilmente são interessantes-como exemplo dessa exceção temos a trilogia Bourne (2002-2007) e alguns filmes atuais do agente 007, como Cassino Royale (2006) e Skyfall (2012). Red Sparrow estréia nesse contexto polarizado, porém investe em uma trama clássica, tensa e com um olhar clínico sobre as fragilidades humanas quando tratamos da nossa sexualidade.
O filme se desenvolve de forma cadenciada, muito diferente dos filmes de espionagem protagonizados por grandes atrizes, como Atômica (2017)e Salt(2010), focando em uma guerra política nos dias de hoje entre Rússia e os Estados Unidos. O que chama atenção é o quanto os artifícios tecnológicos são deixados de lado, nos dando um ar de que a guerra nunca envelhece, nem parece tentar, de fato, chegar em algum lugar. Além disso, o filme também aborda o fato de como ainda existem homens que são privilegiados e protegidos, não importa o quão insignificantes ou asquerosos possam ser, contanto que sigam a agenda de guerra e os interesses do governo. Entre diversos astros como Matthias Schoenaerts, Joel Edgerton e um tímido papel para Jeremy Irons, são as mulheres que se destacam e envolvem o público, principalmente a protagonista.
Jennifer Lawrence faz uma ex-bailarina russa, que acaba sendo recrutada para uma escola de espionagem, e passa a fazer parte da operação Sparrow – que é composta por agentes que tem como especialidade usar o corpo e a sedução como armas – e, então, ela é designada para diversas missões a comando do governo russo. Um dos pontos fortes do filme é ele seguir uma linha muito profunda e realista, de um universo onde pessoas sofrem inúmeras torturas físicas e psicológicas, e o quanto elas sacrificam para se manter sãs. A trama consegue não banalizar o ato da tortura, nos fazendo temer cada vez que essa possibilidade surge em tela, sendo discrepante de outros filmes no mesmo estilo. O que mais se destaca no meio disso, entretanto, é mesmo como a protagonista é desenvolvida e como seu arco dramático se desenrola: ela é uma mulher forte, porém não imune a ser vulnerável, que possui interesses reais e não ambições rasas.
Essa personagem repleta de camadas, somada à uma ambientação crua, nos dá um filme que fala sobre sexualidade sem ser superficial, com uma nudez não gratuita que, na realidade, chega até a ser desconfortável na maioria das cenas, pois, no geral, não há um consentimento, e, mesmo quando há, não existe intimidade, acabando com praticamente tudo oque poderia tornar as cenas sensuais ou até mesmo eróticas no filme, e isso o melhora com certeza.
Apesar do longa trazer essas nuances para a personagem, porém, a trama e o roteiro não progridem e nem atualizam os seus próprios conflitos, utilizando de clichês em plot twists para amarrar todas as suas pontas, mas não desafia em nenhum momento o status quo no qual a protagonista, e outras Sparrows no filme, são obrigatoriamente inseridas. Outro problema é resumir à uma eterna guerra-fria a relação entre as duas potências, algo que hoje não é mais o suficiente para abordar as complexidades do mundo globalizado, ignorando formas políticas, o próprio mercado financeiro e projetando, através dos personagens masculinos, qual o lado correto em que a protagonista deveria estar, perdendo, assim, toda a força ativa que ela buscou o filme todo.
Red Sparrow é um filme que parece que utiliza todo o seu recurso transformando a ex-bailarina e espiã Dominika Egoronova em uma personagem realista e profunda, porém esquece de também atualizar a própria história, resumindo a obra em um longa de suspense interessante, porém esquecível, que não consegue ser salvo nem mesmo pela atuação majestosa de Jennifer Lawrence.