Kurt Vonnegut nasceu em 1922, na cidade de Indianópolis – Onde está localizado o Museu Kurt Vonnegut – e morreu em 2007, Manhattan, devido a lesões no cérebro causadas por uma queda.
Em março de 1943, o escritor se alistou no exército e batalhou na Segunda Guerra Mundial; um dos eventos ocorrido durante esse tempo o fez escrever Matadouro 5.
Após a guerra, começou a escrever e lecionar. Em 1952, ele publicou seu primeiro romance que chegou ao Brasil em 1973 com o título Revolução do futuro. Reeditado durante um tempo também como Utopia 14. Em setembro, no entanto, ele chegou às livrarias do Brasil através da Intrínseca, traduzida por Daniel Pellizzari, numa bela reedição intitulada Piano Mecânico.
A obra narra um futuro pós-Terceira Guerra Mundial. O mundo agora está passando por uma nova revolução industrial que não substituí o trabalho manual, nem o rotineiro, mas o intelectual. Nosso protagonista é o doutor Paul Proteus, a pessoa mais importante e inteligente das grandes Indústrias Ilium, cujos pensamentos a respeito da vida são confrontados pelo desconforto que sente em sua atual sociedade.
“Nesse momento da história, em 1952 d.C., nossas vidas e nossa liberdade dependem muito da habilidade, da imaginação e da coragem de nossos gerentes e engenheiros, e espero que Deus os ajude, para que eles possam nos ajudar a permanecer vivos e livres.”
O futurismo é um movimento artístico, em sua grande parte literário, surgido oficialmente em 1909 com a publicação do Manifesto Futurista, pelo poeta italiano Filippo Marinetti.
No início do século XX, a humanidade experimentou revoluções tecnológicas surpreendentes que tomaram um desenvolvimento bastante acelerado. Haviam aqueles que glorificavam a tecnologia, saudando as novas invenções assim como haviam aqueles que temiam a tecnologia e faziam alertas quanto às novas invenções.
Um artigo de Francisco Rüdiger intitulado de “Antropologia na era da máquina, ficção científica como sociologia aplicada” possuí um texto sobre Kurt Vonnegut, Piano Mecânico e o triunfo do fetichismo tecnológico no século 20.
O texto propõe mostrar como o Piano Mecânico possuí uma visão de pesquisa fortemente expressada nas ciências sociais, afirmando que Vonnegut analisa a forma como as transformações históricas afetam a intimidade do ser humano na era da tecnologia, uma análise honesta a respeito da sua própria atualidade.
“Durante a Grande Depressão, a única religião da minha família foi o entusiasmo para com a eventual cura tecnológica para todas as formas de insatisfação humana.”
Após a guerra, com o avanço da tecnologia em tempos de paz, criou-se uma razão para nos perguntarmos se a fé na tecnologia tinha a ver com a alma humana.
O artigo analisa profundamente a faceta honesta na obra de Kurt e a explora da forma mais sociológica possível. Contudo, o próprio livro já cria uma experiência capaz de lhe transmitir a angústia individual na sociedade utópica proposta pelos adoradores da tecnologia.
“Os engenheiros se aglomeraram em torno de Carlito Damas, e os que estavam na primeira fila inspecionaram as cinzas, as válvulas derretidas e a fiação carbonizada. Em cada rosto havia uma tragédia. Algo belo tinha morrido.”
O autor não tenta esmagar de fúria e críticas a idolatria humana pela tecnologia, ela por si só já é o bastante para se mostrar ridícula, segundo sua narrativa.
Diferentes de muitas ficções que falam da tecnologia como uma ameaça mortal, a grande dificuldade que a humanidade sofre em Piano Mecânico é em se descobrir.
Paul Proteus não liga muito para sua vida no trabalho, embora seja alguém tão importante; sua mente se distraí com qualquer coisa que esteja um pouco fora da sua rotina; em certos momentos pensamos que ele é infeliz, em outros achamos que quer apenas descobrir se existe valor no que faz.
Todos os personagens são meramente bem elaborados psicologicamente. Uma das oito dicas de Vonnegut sobre como escrever um texto curto é: Dê ao leitor pelo menos um personagem para que ele possa torcer. E outra é: Cada personagem deve querer algo, mesmo que seja apenas um copo de água.
A esposa do protagonista, chamada Anita apresenta-se como intrometida quando conhecemos suas ações pelos efeitos que elas causam em Paul, se ele estiver passando por algo pessoal, a intromissão que ela causa é de discutir sua saúde mental ao ponto em que ele deixe claro não querer mais falar disso. Mas agora se existe outra pessoa envolvida, a intromissão dela é cruel e exagerada, a ponto de acompanhar e querer saber de tudo que esta pessoa está causando ao seu marido, independente do quanto ele peça para ela deixar pra lá.
Todos os personagens que surgem durante a história sabem como se comportar de maneira especifica perto de alguém que já sabemos como reage a certos comportamentos específicos. O autor nos torna tão íntimos da forma como todos agem e pensam que já acreditamos conhecê-los.
Seus diálogos e ações são bem diretos. Outra dica dele é: Dê aos seus leitores o máximo de informações possíveis, o mais rápido quanto. Utilizando-se disso em Piano Mecânico, não temos dificuldade para conhecer aquele mundo e seus personagens. Logo, não é apenas o quanto interessante elas são, mas como se torna fácil de conhecer essas características.
“De algum modo, ele tinha transmitido uma ideia surgida inesperadamente em sua mente: que a força e a elegância de Anita eram um reflexo de sua própria importância, uma imagem do poder e da arrogância dignas do gerente das Indústrias Ilium se ele as desejasse. De um segundo para o outro, Anita se tornou aos olhos de Paul uma garotinha indefesa e esforçada, e ele conseguiu sentir uma ternura genuína por ela.”
A história não conta com personagens bons e maus, todos apresentam muito bem suas formas de pensar. Não é sobre como as máquinas levaram o ser humano para o fim de seu tempo ou das consequências da pós-guerra.
Em Piano Mecânico, a humanidade chegou a um ponto em que tudo deveria estar bem.
“E ele tem uma casa para morar e roupas quentes. Tem as mesmas coisas que teria se estivesse cuidando de uma máquina idiota, xingando, cometendo erros, entrando em greve, todo ano, brigando com o supervisor, chegando de ressaca no nosso trabalho.”
A tecnologia chegou a um grau de produção em que quase ninguém mais terá de trabalhar, mas continuaram a se alimentar e ter onde morar, para a humanidade este era o plano de perfeição, de vida boa. É ai que Kurt entra para perturbar ainda mais seus personagens, é assim mesmo que a vida se torna boa?
TRABALHO
Karl Marx, sociólogo, abre um leque de questões sobre como o trabalho humano à medida que se afastava da relação homem e natureza deixava de ter os princípios mais importantes do resultado de um trabalho, passando apenas a ser uma forma instrumental, um meio de atingir como objetivo o próprio fim do trabalho.
Os adoradores da tecnologia queriam trabalhar nela, usando-a de meio para ter menos trabalho, assim uma vida melhor.
Para o autor, o trabalho pode ter um valor um tanto mais significativo e por isso a crise de Paul Proteus a respeito do significado de valor que seu trabalho possui, dos seus estudos, rituais de ricos e relações pessoais é bem elaborada.
Kurt Vonnegut está disposto a investigar o que vem após a perfeição através de seus personagens, lutando não por uma humanidade não futurista, mas por uma que queria cuidar das suas angústias, de fato.