ESTA CRITICA FOI ESCRITA EM COLABORAÇÃO COM CADU COSTA.
Diretora de dois grandes sucessos “Guerra ao terror” (2008) e “A Hora Mais Escura” (2012), Katherin Bigalow retorna às telonas com um longa de tamanha qualidade que promete tensão do início ao fim. A proposta desta vez é falar sobre a questão étnica em Detroit na década de 60.
O filme começa com uma festa particular em uma casa noturna, onde após uma batida policial problemática, diversos convidados são presos abusivamente. Para o azar dos policiais o episódio que era para ser algo mais discreto, acaba se tornando um espetáculo reverso aos olhos da população predominantemente negra, se tornando um barril de pólvora e dando início a um dos maiores protestos da década de 60, só perdendo para o que se seguiu o assassinato de Martin Luther King.
Daí em diante não é mais possível sentir-se relaxado, pois a maestria de Bigalow nos faz tensos até o último minuto, no qual nem o tempo sentimos passar de tão fluida que são as sequências.
Sem eleger um protagonista, no sentido clássico, a história é contada por vários personagens formando um mosaico. De cenas com multidões enfurecidas e conflitos, o filme nos apresenta, em um dos recortes a história, um grupo de músicos negros que tentam ganhar a vida. No badalado Teatro Fox, casa cheia, eles se mostram eufóricos com a primeira chance de uma apresentação digna de contrato com gravadoras, quando forças da segurança interrompem o espetáculo e aconselham que os expectadores sigam para suas casas sob ameaça de uma rebelião que estouraria do lado de fora. Um dos músicos é Larry Reed (Algee Smith – Terra para Echo, 2014), a principal voz da banda, detentor da maior parte das atenções e que protagoniza uma cena de frustração após o esvaziamento do teatro.
Em contrapartida também somos apresentados a Dismukes (John Boyega – Star Wars: The Last Jedi, 2017), um segurança também negro, que trabalha protegendo uma loja local. Diferente dos músicos, Dismukes tenta manter aproximação com os policiais brancos na tentativa de sobrevivência e mostrar passividade. Mas aos poucos ele começa a se deparar com os absurdos cometidos pelos mesmos.
A história nos traz mais alguns outros personagens e o mais interessante é que apesar do conflito entre duas etnias, a diretora não se basta no clichê da bilateralidade de negro x brancos. Com competência, ela dá multidimensionalidade a narrativa, apresentando ambos com diversas posturas. Alguns mais politizados, outros mais em cima do muro e até na hora de atribuir vilania ela faz questão de não dar uma cor única. Não se limita a homem branco mau e sim destacar organicamente uma questão racial séria, na qual policiais em sua grande maioria brancos, possuíam uma arraigada cultura preconceituosa, que dava lugar a abusos e violência descontrolada quando se tratava de negros. Ainda sim, ela não generaliza, mostrando facetas virtuosas dentro da instituição.
Após apresentar os complexos grupos, a história os reúne no Motel Algiers, onde conta um episódio verídico. O caso que começou com um disparo jocoso de arma de brinquedo dá lugar a uma batida policial cheia de violência, abusos e torturas. Para mostrar ainda mais essa multidimensionalidade de seus personagens, Bigalow nos mostra uma cena em que suas minorias estão de cara para a parede, inclusive duas mulheres brancas, que diferente das expectativas, também sofrem com as agressões.
O desenrolar do episódio e as imagens documentais que se mesclam a ficção, nos mostram a intenção em expor um caso mal resolvido e polêmico até hoje da história norte americana. Sem a ajuda de uma trilha apelativa, com uma fotografia objetiva que entrega ao que se propõe, o filme faz o expectador se angustiar com as emoções vividas pelos personagens e se perguntar se “Detroit fica logo ali”.