Beleza. Para muitos, relativa, para outros, se divide em exterior e interior, mas para a Rainha, é essencial. A Mais Bela de Todas não conta apenas a história da Rainha que foi chamada de “Má”, mas sim promove uma investigação sobre a opressão da beleza feminina.
“Calma, querida, eu sou uma Rainha, não uma bruxa”
Escrita por Serena Valentino, o livro faz parte de uma série que conta a história particular dos personagens da Disney com duas metades, em sua maioria vilões. Ele foi publicado no Brasil pela Universo dos Livros.
A narrativa começa com o Rei escolhendo a Rainha entre os plebeus. Logo de cara a autora já vai embalando o tema ao colocar a Rainha como filha de um artesão de espelhos, o melhor que já existiu, e sendo escolhida pelo Rei devido a sua beleza, que a princípio ela não acreditava ter.
A discussão sobre o machismo emprenhando desde o início dos tempos começa a aparecer na história devido à ausência do nome da Rainha. Ela é chamada o tempo inteiro assim, mas as outras mulheres do reino possuem nomes, como a Branca de Neve e a dama de companhia Verona. Até as três irmãs esquisitas do Rei possuem nome, menos ela e seu marido.
O fato da Rainha não ter nome evidencia a falta de identidade que uma mulher devia ter naquela época. Logo, o título de rainha sobressaía ao nome dela porque ela era a esposa de um Rei. No caso dele, a ausência de seu nome é para reafirmar a autoridade masculina daquele reino. Em outras palavras, a Rainha só era importante, só era alguém, porque era rainha.
“Ela não podia compartilhar seus pesadelos com ninguém. Já havia sido difícil o bastante revelar ao Rei sua visão. Se fosse comentá-la com alguém a quem confiasse menos, tinha certeza de que iriam acusá-la de bruxaria, e a queimaria na fogueira”
A Rainha ter sido escolhida por sua beleza inicia a obsessiva e opressiva manutenção da mesma. Esta situação carrega uma crítica, pois o que qualificou a mulher para ser rainha foi o fato dela ser bela, mais nada. Então isso sugere que se a mulher não possui beleza não serve para se casar, ainda mais com um rei.
Outro fator que oprimia a Rainha era que ela considerava sua mãe uma mulher lindíssima, a mais bonita que já havia visto, e achava que não tinha como superar sua beleza. Entretanto a Rainha era muito parecida com a mãe e o leitor pode observar isso nas sinalizações dos outros personagens.
A beleza, o tempo inteiro, marca a preocupação da Rainha, pois como ela sustentava este título e como ela fora escolhida por sua beleza, devia ser ela então a mais bela do reino. Ninguém devia ser mais formosa que ela.
A Rainha não era Má, mas sim uma pessoa meiga. Ela amava Branca de Neve e a criava como se fosse sua filha, assim como adorava a companhia de Verona, a quem tinha como uma irmã. Mas a necessidade de ser a mais bela de todas começa a colocá-la contra sua família. Essa luta é simbolizada pelo espelho. O Rei deu de presente à esposa um relicário produzido pelo pai dela como presente de casamento, mas a Rainha não suportava ver o artefato tanto por ele lembrá-la o pai como pelo vulto que aparecia nele. O vulto é chamado de O Escravo da Rainha.
A chegada das três irmãs estranhas do Rei maximiza a preocupação da Rainha com a beleza. É por causa delas que a Rainha começa a se envolver com a magia e assim aprende o jeito certo de chamar o Escravo no espelho. Quando isso acontece, seu tormento toma forma, pois a Rainha ritualisticamente começa a consultá-lo para se autoafirmar a mais bela de todas.
“Diga-me, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu?”
A Rainha acreditava que o Escravo no espelho estava julgando sua aparência, mas na verdade a beleza que ele apontava era a de seu coração.
O conjunto de magia da Rainha envolvia um livro de feitiços. É interessante a sutil crítica que autora coloca. Naquela época as mulheres tinham apenas que ser belas, não cultas, por isso os livros eram considerados inimigos das mulheres de bem. O fato do livro de feitiços ser o catalizador do sofrimento da Rainha marca a mensagem machista de que quem precisa ter conhecimento é o homem.
Até o momento o espelho respondia que a Rainha era a mais bela, entretanto quando ela começou a ser tomada pela inveja da beleza de Verona e da Branca de Neve, o espelho muda sua resposta. A Rainha chega a mandar Verona para fora do reino para não ser ameaçada por sua beleza. Nessa época, ela ainda sustentava um pouco de autocontrole, por isso preferiu esse método a matar a mulher que considerava irmã.
Mais tarde, seu coração vai ficando sombrio e ela sucumbe ao tormento de ser sempre a mais bela de todas. Com isso Branca de Neve vai crescendo e assume o título de mais bela, o que enfurece a Rainha a tal ponto, que ela exige ao Caçador a morte da filha.
Como já sabemos, o plano falha, então ela mesma se incumbe da tarefa. A Rainha se transforma em uma velha horrorosa e leva uma maçã envenenada para Branca de Neve, que a come e dorme para sempre. Quando a Rainha vê seu plano ser desfeito pelo beijo do Príncipe, ela foge dos anões e chega a uma encruzilhada. As três irmãs falam com ela que se ela voltar para floresta pode ser salva, pois elas têm como influenciar a natureza, mas se for pela colina, sua morte será certa.
A Rainha escolhe ir para colina como punição pelos crimes que cometeu e porque está tão atormentada para ser sempre a mais bela de todas que não consegue mais ver alternativa para voltar a ser aquela meiga mulher de antes.
Com toda a sensibilidade poética que um livro de contos de fadas precisa ter, Serena consegue tecer a história com palavras cuidadosamente escolhidas. A sensação de estar vivendo um conto de fadas é tão grande que parece que você nem está lendo. Esse é um ponto superpositivo do livro.
A capa com a metade do rosto belo da Rainha e a contracapa com a outra metade velha é a marca registrada da série escrita por Serena e envelopa bem esta história de um universo tão conhecido que é o mundo encantado Disney. Entretanto a diagramação podia ter sido melhor trabalhada. Estamos com um livro de conto de fadas em mãos, seria maravilhoso se ele tivesse aquela aparência como nos desenhos da Disney. No entanto, a diagramação não é algo que atrapalhe. Ela supre às necessidades de uma leitura confortável.