A Biblioteca Gaiman é um lançamento recente da editora Intrínseca, que reúne renomados artistas do cenário dos quadrinhos com um dos maiores contadores de história dos últimos tempos, Neil Gaiman.
O primeiro volume traz cinco histórias ilustradas, começando com a arte de Shane Oakley em As noivas proibidas dos Demônios desfigurados da mansão secreta na noite do desejo sinistro. Aqui, um escritor com bloqueio criativo muda sua forma de pensar logo depois de conversar com um corvo falante, que lhe faz uma visita.
Neil Gaiman nos apresenta a realidade dos escritores através de um diálogo muito intenso sobre o que é literatura de verdade. O conto, que tem uma pegada gótica, foi originalmente publicado em 2006, transformando-se em quadrinho somente em 2017.
A arte de Oakley vai além dos quadros, nos presenteando com extras sobre o processo de criação dos personagens e montagem das cenas. Um ótimo complemento para essa obra de arte!
Em Criaturas da Noite, Gaiman consegue trazer o sobrenatural para o nosso mundo. Gato preto, demônios e até mulher coruja são alguns dos personagens dessas duas histórias incríveis, que dão sequência à essa edição de luxo que, por sinal, é exclusivamente brasileira.
No primeiro conto, chamado O Sacrifício, um escritor acolhe um gato preto em sua casa. O bichano aparece com uma ferida diferente todos os dias, e o homem decide trancá-lo em seu porão para cuidar de seus machucados. Nesse meio tempo, coisas estranhas começam a acontecer com a sua família, e o homem decide soltar o gatinho para investigar essas ocorrências.
Na história seguinte, chamada A Filha da Coruja, um bebê é deixado na porta da igreja de uma vila. Os moradores planejam queimar a criança por pensarem ser a filha de uma coruja, mesmo parecendo outra qualquer. A última palavra foi dada pelos anciãos, levando a pequena para um antigo convento isolado, para morar com uma ex-freira. O que eles não imaginavam é que essa menina se transformaria em uma mulher belíssima, a ponto de pôr em risco a vida dos homens que ali moravam.
Ambos os contos são interligados por uma só palavra apesar de passarem em tempos remotos, superstição. Mitos populares são sempre interessantes, mas aqui o vemos de um outro ângulo. Será mesmo que o gato preto dá azar?
Além da narrativa ser fantástica, a arte é, sem dúvidas, excepcional. Digna de preencher uma linda moldura. Os traços realistas com uma pintura delicada dão forma à felinos e abrem espaço especial no coração de quem ama gatinhos.
Em Mistérios Divinos, o conto número quatro e mais longo dentre todos, um homem encontra um senhor passeando tarde pelas ruas de Los Angeles, que lhe pede um cigarro e, em troca, compartilha uma história sobre o primeiro assassinato do mundo, passado antes mesmo de gênesis. Seria esse o primeiro crime entre os anjos, ainda no paraíso.
Esse é um dos contos mais reflexivos da coletânea. A obra brinca com a concepção do certo e o errado, o que nos leva à repensar no que realmente acreditamos. Não existe a possibilidade de fechar o livro sem antes descobrir quem matou o anjo responsável por criar a morte, e quem vai nos levar à resposta do caso é ninguém menos que a vingança.
O grande criador dessa belíssima arte é P. Craig Russel, um gigante da indústria de quadrinhos, tendo em seu currículo também Coraline. O traço é bem característico de HQ’s de heróis. Aqui, o autor usa o que lhe é presente em seus maiores sucessos, os sentimentos.
Passamos para A verdade sobre o desaparecimento da Senhorita Finch, que não necessariamente se chamava Finch. um escritor se hospeda em Londres para finalizar um trabalho e é chamado por um casal de amigos para sair um pouco e se divertir, junto à outra convidada. Antes do prometido sushi, o grupo parte para uma espécie de creep show, o Teatro dos Sonhos Noturnos. Entre as várias atividades bizarras que o circo propõe, a mulher que os acompanha desaparece e deixa o autor pensativo sobre o assunto.
Esse circo dos horrores é dotado de personagens esquisitos em uma aquarela linda, como a de Criaturas da Noite. Novamente Michael Zulli nos entregando ilustrações belíssimas. E quando achamos que não tem como Gaiman nos surpreender mais, ele conta essa história, que começa pelo final e é cheia de referências. Por aqui, encontramos o Alice Cooper e até mesmo o próprio Neil Gaiman.
O último conto se chama Arlequin Apaixonado. Em um dia dos namorados, Arlequin está na rua para pregar peças e jurar seu amor por Missy. Para prová-lo, resolve arrancar seu coração e espetá-lo na porta da moça. Missy, por sua vez, não sabe o que fazer com aquilo, mas sai para buscar ajuda.
A arte de John Bolton, que vai do convencional à pinturas magníficas, se encaixa muito bem na trama. O desfecho é surpreendente, assim como o restante dos contos aqui apresentados. Esse, assim como a primeira história, também possui um texto complementar que aborda o enredo por trás da figura Arlequin e seus acompanhantes, nos convidando a visitar a Europa do século XVI.
A Biblioteca Gaiman é um livro obrigatório para os fãs do autor, além de uma ótima introdução ao mundo dos quadrinhos, e até mesmo de Neil Gaiman. Amantes de fantasia, entrem de cabeça na bibliografia desse gênio, um dos maiores nomes do gênero.