Este livro autobiográfico muito polêmico escrito por Garrard Conley foi publicado no Brasil em janeiro pela editora Intrínseca. A obra é comovente e dita qual o preço da liberdade para quem é minoria e até onde pode chegar o fanatismo religioso.
Garrard nasceu em uma pequena cidade de ideais conservadores no sul dos Estados Unidos. Filho de um pastor e crescido na Igreja Batista, o menino era muito cobrado quando o assunto era os dogmas evangélicos, pois, futuramente, seria ele o responsável por propagar a palavra de Deus aos seus fiéis. Tudo se encaixaria perfeitamente se não fosse por sua orientação sexual. Seu medo de não ser aceito dentro de sua comunidade e, pior, ser expulso de seu convívio familiar fez com que o autor aceitasse fazer parte de um programa de “purificação” aos 19 anos… programa este que prometia transformar homossexuais em ex-gays.
“A primeira coisa que vocês precisam fazer é reconhecer o quanto se tornaram dependentes de sexo, de coisas que não são de Deus — disse Smid.”
Boy Erased deixa claro, através de uma leitura bem simples, como a terapia de reorientação sexual, também conhecida como a “cura gay”, pode trazer sequelas psicológicas aos seus pacientes. Os traumas catalogados por Conley nas páginas deste livro são relatos dolorosos de reuniões das quais os jovens participavam tendo que expor seus “pecados” aos outros participantes para se redimirem enquanto buscavam desesperadamente pelo perdão divino e uma reconciliação com suas famílias.
A mensagem narrada é bem forte, ainda mais quando se leva em consideração que é uma história real e que nem todos os participantes tiveram a sorte de Garrard, que saiu do “tratamento” com abalos psicológicos. Houve quem cometesse suicídio por não alcançar o resultado de anular quem realmente era.
Garrard Conley abriu seu coração e relatou sua cruel adolescência ao longo de 319 páginas. A autobiografia explora o antes e o durante do “tratamento” no programa Amor em Ação, tornando um pouco confuso a passagem do tempo por não ter nenhum indicativo de separação. A história é bastante reflexiva, tendo que ser digerida com calma.
O livro, além de necessário, é também uma ótima leitura para conscientizar e emocionar. Ele chegou até a ser adaptado para o cinema pela Universal Pictures, mas jamais chegou ao Brasil.
O filme estava previsto para estrear aqui entre janeiro e fevereiro, mas por questões comerciais, não entrou no país. O autor chegou a publicar no Twitter sua insatisfação quanto a isso, sugerindo que poderia se tratar de censura, mas logo apagou a postagem.
“Boy Erased’ censurado no Brasil. Sentia que isso poderia acontecer e estou muito triste que esse tipo de coisa aconteça em um país tão incrível”.
Ao que o estúdio respondeu alegando razões comerciais “baseada no custo de campanha de lançamento versus estimativa de bilheteria nos cinemas”.
A editora Intrínseca se manifestou a respeito, lamentando o ocorrido e explicando o motivo de ter publicado a obra no Brasil.
“Quando decidimos publicar o livro no Brasil, acreditamos que junto com a adaptação cinematográfica de suas memórias poderíamos levar uma mensagem necessária de tolerância e superação para todos que vivem situações semelhantes de repressão a suas sexualidades”
Ela ainda chegou a dizer ao G1 que manteria seus “esforços para a promoção do livro como inicialmente planejado, com a certeza da relevância do tema e de sua contribuição para uma sociedade plural e livre de preconceitos”.
“Avaliamos que o livro seria uma importante contribuição para debates e que ajudaria a tornar pública a situação que muitos sofrem em silêncio” pontuou.
Essa situação revela como o país ainda engatinha na discussão de uma sociedade livre de preconceitos e o livro – tal como ele é – acaba sendo um instrumento de luta contra qualquer discriminação absurda que mina o direito do ser humano em ser livre.