Por que julgamos o ser humano? Em todo lugar nos deparamos com o julgamento de terceiros e também exercitamos essa tendência para com eles. Vemos isso nas grandes metrópoles, nos programas de TV (BBB é um exemplo), mas isso fica mais evidente nas cidades pequenas. Cielo Rojo vem abordar este tema, ambientando as incongruências de uma cidadezinha com forte presença religiosa.
“A arte não é para os que sabem fingir”
Cielo Rojo é o livro estreante de Marine Conte, escrito totalmente no celular, onde ela também produziu a capa. A autora já está trabalhando em uma sequência. Ele está disponível em e-book no site da Amazon e incluído no plano Kindle Unlimited. Então quem é assinante poderá baixá-lo gratuitamente.
Vale lembrar que não é preciso comprar um Kindle para ler os e-books da Amazon. Se você tiver um celular ou um tablet, só precisa baixar o aplicativo e começar sua leitura.
A história começa com Grace Hamilton chegando em Green Ville para fugir de sua antiga vida conturbada, na qual era conhecida como escritora de livros eróticos e possuía um marido muito rico e famoso. Ela escolhe esse destino por se lembrar de um amigo de infância e o reencontra assim que chega lá. O irmão dele é o melhor amigo dela, o que facilita a escolha e transição. Para Grace, dinheiro não é problema, mas os olhares tortos e o julgamento alheio sim. Apesar de querer fugir para um lugar que ninguém a conhece, ela leva uma mala consigo da qual não consegue se desvencilhar: seu passado.
Sobre o estilo de escrita de Mariane, é possível observar que ela consegue manter uma fluidez constante, com palavras e sentenças de fácil entendimento. Em nenhum momento o leitor precisa parar para tentar entender o que leu. As cenas que a autora evoca têm grande poder imersivo e nos mantém conectado à história, imersos. E outro ponto super positivo do livro é sua revisão. Está impecável, não devendo nada à exigência de um livro profissional.
Cielo Rojo já começa a provocar o leitor ao colocar uma protagonista de 42 anos com síndrome de asperger, revelando que o preconceito é primeira barreira para pessoas especiais como ela. Apesar de não ser um impeditivo para que ela tenha uma vida normal, Grace apresenta uma franqueza característica e isso afeta as pessoas ao seu redor, mesmo os mais condescendentes.
É assim que a história conduz o leitor às questões intrínsecas da obra, através da protagonista. Grace também é uma escrita best-seller de livros eróticos, mas não se orgulha deles, porém mesmo assim é julgada pelos moradores da cidadezinha, que possuem uma conduta religiosa arraigada.
O moralismo, principalmente cristão, domina Green Ville com suas determinadas regras de convívio “decente” que agradam ao Senhor. Portanto, qualquer pessoa que fuja disso é apontada como um pecador. Não apenas Grace é alvo do julgamento desses moradores, como também Benny, o irmão gay do homem mais respeitado e religioso da cidade. Há ainda uma discriminação racial do povo estadunidense contra os mexicanos que vivem em seu país, contra os negros e contra qualquer pessoa que não tenha pele branca.
“A história das pessoas negras não começou com a escravidão, mas fora interrompida por ela”
A autora se vale dos preceitos religiosos para evidenciar que as religiões, principalmente a cristã, é mãe dos preconceitos mais presentes na vida atual. De maneira assertiva e subliminar, ela conecta o pensamento atrasado dos moradores à discriminação que resulta até em crimes, evidenciando como o preconceito é violento.
A todo momento Cielo Rojo discute como essa moral religiosa apenas prejudica a fraternidade e entra em contradição direta com o objetivo da religião, que é envolver todas as pessoas de todos os povos em amor.
Não é à toa que Mariane Conte utiliza o romance na história. Grace começa a se relacionar com Arthur e fica evidente desde o início que ele será seu par romântico. Mas isso demora a acontecer justamente porque Arthur é um homem extremamente religioso e, embora seja respeitado, já possui uma “mácula” ao ser irmão de um homossexual. Ele então fica receoso de se envolver com a escritora para que a cidade não o julgue um aproveitador. Afinal, Grace é rica, tem asperger e é divorciada.
O respeito que Arthur acumula das pessoas concentra nesse personagem a ideia do “pensamento atrasado” da cidade pequena. Arthur é um imigrante oriundo do México, e quer fazer tudo dentro das regras para que os estadunidenses o aceitem como um cidadão dos Estados Unidos.
Seu perfil é completamente oposto ao de Grace, que possui um pensamento “fora da caixinha” e uma marca em seu DNA que a permite ser quem ela é. Ela representa o espírito de mudança para essa cidade, ou seja, exatamente aquilo que um lugar como esse mais teme. A união entre esses dois personagens, então, apresenta uma conciliação entre o “pensamento atrasado” de pessoas engessadas em um moralismo hipócrita e a abertura para a mudança, na intenção de evoluir e finalmente conseguir amar o próximo.
O amor entre os protagonistas vence qualquer diferença. E deveria ser assim com todas as pessoas. Afinal é de amor que as religiões falam, um amor infinito que Deus sente por sua criação.
“Poucas horas longe daqueles que amamos podem doer como a eternidade”
Parece ridículo, mas até hoje vemos vários exemplos de pessoas que supostamente “vivem em Cristo” carentes de seus ensinamentos. Muitas delas praticam o ódio cego, quando seu mentor apenas as ensinou amar.
“Uma boa história deve ser contada com sentimento”
E para deixar claro que as pessoas pregam o amor de Cristo, mas não o exercem, a autora ainda cita George Orwell ao lembrar que “todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais que outros”. Com esta frase, ela evidencia que os religiosos só acham dignos de seu amor aqueles que são como eles, mas não os que são diferentes. Aos outros, o puro preconceito. Mas o próprio Jesus ensinou que “devemos amar os outros como eu vos amei”. Amor puro pelo irmão, sem discriminá-lo por suas diferenças.
“Você não precisa ir tão longe para ver o paraíso”
A hipocrisia, o falso moralismo cristão e o julgamento são o trilho que conduzem a história. Através de Grace e de alguns personagens-chave, Mariane Conte vai expondo as incongruências entre as pessoas diferentes, seja ela de outra cor, de outros gostos, de outra orientação, de outro país ou simplesmente de pensamento distinto.