Costumo pensar que quem gosta de ler de verdade tem muito a ver com quem ama café. Por exemplo, quem ama café, ama o sabor, a textura e tudo o que ele causa no corpo, portanto não importa qual seja o sabor que ele tenha, com quais ingredientes venha e etc., desde que ele seja café. É claro que temos nossas preferências, afinal, todos têm, mas a questão é que o “bookaholic” ama o ato de ler, não importando qual é a história, gênero e afins. Se estamos lendo, está tudo bem e esse é o cerne da questão. Bom, pelo menos comigo é assim desde que comecei com a desintoxicação de livros do Nicholas Sparks (que não são horríveis, apenas acabam com a nossa sanidade mental de acreditar sempre em amor). Portanto aqui fica minha justificativa pela qual eu li o tão polêmico “Cinquenta Tons de Cinza”. Fiquei curiosa e, já que estou estudando para um dia me tornar jornalista, uma das coisas que eu sei é que a gente sempre tem que ir atrás dos fatos, pra saber em primeira mão se são reais ou não, então fiz minha pesquisa.
E o que eu tenho a dizer sobre o primeiro livro da trilogia de E. L. James? Boatos exagerados. Vi muita gente enchendo a boca para dizer da “depravação” que era o livro, que não tinha “cabimento” escrever sobre sexo sadomasoquista, e muitas outras coisas do gênero. Ao escutar tudo aquilo, acho que qualquer um pensa que é um livro que só fala sobre sexo, e das coisas que a turma do BDSM faz por aí; o que não tem nada a ver, porque depois que a gente pára e lê antes de torcer o nariz pra “Literatura Erótica”, percebemos que Cinquenta Tons não é sobre sexo e nem muito menos sobre sadomasoquismo. É, para todos os efeitos, sobre amor e sobre o que ele faz com as pessoas. Antes de tornar o livro melhor do que ele realmente é, deixa eu explicar uma coisa. A “blogueira” que aqui escreve veio de um mundo fantástico e maravilhoso das fanfics de Crepúsculo. Era uma época boa em que uma adolescente de quinze anos podia dizer que era Team Edward e escrever fanfiction sobre Jacob e Reneesme sem ser julgada (mentira, eu sempre fui julgada por gostar de Crepúsculo, mas não tô nem aí. Todo mundo já gostou de alguma coisa na vida, não é mesmo?!). E para quem não conhece o termo, “fanfiction” nada mais é do que uma história escrita por um fã, que pode usar os personagens para criar outros enredos – que tenham ou não a ver com a narrativa real. Para quem estava nesse mundo de fics de Twilight, histórias que tinham a ver com sexo, Bella e Edward eram a coisa mais clichê de qualquer site que disponibilizasse esse espaço para a gente. Seja no Brasil ou não, pode procurar por aí e você vai encontrar centenas de sinopses em que Edward é o controlador e a Bella brinca de submissa ou vice versa. O que me leva a pensar que esse excesso de sexo nas fanfictions é um grito claro dos fãs que diz “tudo o que faltou no livro, nós escrevemos aqui!!!”. Simples assim.
Expliquei tudo isso porque obviamente “Cinquenta Tons de Cinza” vem desse universo de Crepúsculo, de garotinhas escrevendo e muito sexo sem que haja história. Quer dizer, pra quem leu os dois livros, as semelhanças entre os personagens são tão óbvias que você passa tranquilamente pela imagem da Anastasia e do Christian Grey vendo-os como espelhos de Edward e Isabella Swan. Então não julguei tanto assim a leitura, porque passei um bom tempo quando era menor de idade, lendo milhares de histórias alternativas iguais e até melhores do que essa, na internet. Fazer o que né. E super entendo quando as pessoas que realmente praticam BDSM dizem que o livro não faz jus à prática, porque não há de fato sexo sadomaquista, acho eu. Esse universo com certeza é bem mais profundo e mais complicado do que uns chicotinhos inofensivos que o Sr. Grey usa na Ana em uma cena ou outra. Portanto vamos aqui à minha resenha do livro, sem que haja exageros.
“Cinquenta Tons de Cinza” tem como personagem central da trama o milionário Christian T. Grey, que conhece nossa desajeitada e ingênua Anastasia Steele em uma entrevista para o jornal da faculdade. Após algumas gafes, perguntas inadequadas e muita tensão, os dois se despedem, mas para o azar – ou sorte, né, depende do ponto de vista – o calado e magnata Sr. Grey volta a vê-la mais vezes. Tem aquela coisa toda que tinha em Crepúsculo de “não fique comigo, sou perigoso”, e a célebre frase (que também tem em Crepúsculo!) de “não consigo mais ficar longe de você”, até que finalmente Ana conhece o verdadeiro Christian Grey. Mesmo ao ver um quarto cheio de apetrechos para a prática de BSDM, ela ainda fica confusa em relação à ele, já que a atração entre os dois é bem forte. Acontece que, para conseguir ter uma espécie de relacionamento, ela precisa assinar um contrato, que dita uma série de (minha opinião) absurdos, que vão desde o que ela pode ou não pode fazer na cama/relacionamento até o que ela tem que comer!!! Aliás, vi nisso mais uma semelhança com Crepúsculo. Edward também é manipulador, à sua maneira. Ele sempre tenta fazer a Bella “viver melhor”, seja dando presentes caríssimos – o que também acontece com Christian e Ana – ou até dizendo o que ela pode ou não fazer. Comparações à parte, o contrato é a grande questão da trama. Quando escuto falar que o Sr. Grey “abusa” da Ana, fico extremamente chocada porque eu aposto que nem metade das pessoas que criticam a série devem ter de fato lido todas as páginas de 50 Tons. O contrato, que deveria ser assinado para que a Ana pudesse ser de fato a submissa de Christian, não é assinado. Ou seja: os dois aceitam o que está acontecendo. Tanto o sr. Grey, ao constatar que fará sexo com ela sem que as tais normas sejam todas seguidas à risca, quanto à Ana, que está completamente ciente do que está fazendo em todos os momentos (mesmo quando aceita brincar no Quarto Vermelho da Dor). Não vejo fundamento quando dizem que ela foi “forçada” a fazer qualquer coisa na trama, pois do mesmo modo que ele de certa forma inicia ela no mundo soft de BDSM, ela também o “manipula” para se envolver com ela. Isso pode até torcer o nariz de algumas que leem agora, mas, enquanto eu lia, super fui vendo o quanto ela foi sutil ao não assinar o contrato, permitir algumas sacanagens e ao mesmo tempo, fazê-lo “mostrar-se” aos poucos para ela.Quando Ana perde a virgindade para Christian, por exemplo, vi claramente que o tal moço quieto e indisposto à relacionamentos, estava claramente abrindo espaço para um envolvimento em sua vida. O “não faço amor” que ele diz com tanta seriedade para ela, é também uma desculpa para que “as brincadeiras mais sérias” de fato possam acontecer, mas isso só mostra o quanto ele estava preocupado com ela. Como eu disse, 50 Tons, para mim, é mais do que uma literatura erótica. Li uma vez alguém que disse que um bom livro de sexo deve tirar o fôlego e só vi isso acontecer com a série “Cretino Irresistível”, da Christina Lauren (aliás, recomendo!!!), mas com a dupla Grey e Steele, isso não aconteceu. As cenas em que os dois vão parar no “Quarto Vermelho da Dor” – apelido carinhosamente dado pela Ana, ao conhecer o quarto em que Christian usa para realizar suas fantasias – são realmente bem descritas e picantes. Há o uso dos tais apetrechos quentes de BDSM, mas isso não se compara à cena “fatal” de quando Grey finalmente mostra o quão perturbado ele é. Até então, Anastasia não havia conhecido a sombra de Christian, porque entrava “aos poucos” no mundo perigoso do magnata, mas quando ela finalmente aceita conhecê-lo, é onde a trama de fato fica pesada.
Em alguns momentos, me senti entediada, não irei negar. Normalmente tenho preguiça com personagens femininas muito dependentes de homens, e a Ana, apesar de “tentar” negar todos os presentes caros e absurdos de Christian (que são tentativas ridículas de provar o quanto ele quer ela), acaba sendo muitas vezes ingênua e bobinha. Sinto falta de personagens fortes e heroicas, como é o caso da Katniss, por exemplo, em Jogos Vorazes. Aquela pessoa que, mesmo que tenha péssimas condições, ainda dá a volta por cima e sabe tomar conta de si mesma. Isso você com certeza não verá em 50 Tons de Cinza. Anastasia não sabe nem tomar conta de si mesma e é extremamente “frágil e desengonçada” para se tornar uma mulher poderosa que coloque Christian-dominador-Grey no lugar, mas ainda assim, faz da trama um bom romance. Aos que dizem que nunca irão chegar perto desse livro porque é “pornô para criança” ou babaquice, deem ao menos uma chance. Não vi cenas chocantes serem descritas, até porque o sadomasoquismo descrito ali não é efetivo nem de longe. Acho que se fosse mesmo, seria muito mais intenso ler algo assim, do que realmente foi narrado. Umas algemas e alguns brinquedos não fizeram do livro algo bobo, só mais um livro sobre como o amor pode ser perturbador e como o sexo faz as coisas muito mais interessantes. Porque se 50 Tons de Cinza é tão ruim assim, porque será que está todo mundo lotando as salas de cinema para averiguar? Mate a curiosidade lendo esse livro, faz bem.
Edição: 1
Editora: Intrínseca
ISBN: 9788580572186
Ano: 2012
Páginas: 480
Tradutor: Ady Miranda, Rute, Partenope, Silvia, Sandra P.
Editora: Intrínseca
ISBN: 9788580572186
Ano: 2012
Páginas: 480
Tradutor: Ady Miranda, Rute, Partenope, Silvia, Sandra P.