Existem momentos na vida em que precisamos ter coragem para enfrentar nossos próprios erros. Lançado em todo o Brasil pela editora Seguinte, o 5º volume da famosa série de quadrinhos de romance LGBTQIAPN+, Heartstopper, traz o caminho para a conclusão da história de um dos casais mais amados dessa geração, Nick e Charlie, e esse trajeto não poderia estar mais maduro para lidar com temas sensíveis.
Essa análise foi feita com base no último lançamento fazendo comparações diretas com as obras anteriores, preparados? Então vamos lá!
Um relacionamento, antes de qualquer coisa, é composto por uma amizade. Em Heartstopper, durante anos de publicação, vimos a evolução rápida dos protagonistas Nick e Charlie e seu relacionamento amoroso que encantou e conquistou os olhos até mesmo de aliados da comunidade. Com isso, tivemos situações e momentos narrativos que colocaram o amor dos dois no ápice que aconteceu em plena viagem relatada no terceiro de Heartstopper, uma mistura de momentos fofos com pitadas de críticas sociais e políticas que nos volumes anteriores só tinham aparecido de forma sútil.
Entretanto, foi no quarto volume que a autora Alice Oseman apresentou ao público o motivo de Heartstopper fazer tanto sucesso. Uma história fundamentada no amor para superar os mais diversos desafios pessoais e sociais. Foi nesse livro de Heartstopper que tivemos a apresentação da família (pelo menos um lado) homofóbica do Nick, os problemas de autoestima do Charlie derivados do bullying e até mesmo a lesbofobia sofrida pela Tara. Tudo isso, tinha sido apenas citado ou pontuado de leve nos outros livros, mas que nesse tiveram os holofotes e que fizeram os personagens realmente brilharem.
Durante toda a história até o dado volume, tínhamos os personagens envolvidos em tramas que giravam em volta do relacionamento entre os protagonistas, os personagens secundários, tinham voz, mas eram ofuscados pelos problemas em cerco protagonismo. Com a mudança do foco do romance para os personagens, a autora pode aproveitar e desenvolver de forma mais humana seus personagens sem a necessidade forçada de reproduzir afeto para reafirmar em certos momentos do amor entre eles.
Entretanto, o ápice da escrita veio nesse último volume, onde a Alice chutou o balde e colocou em foco um dos assuntos mais preocupantes da atualidade, a ansiedade. Um dos temas principais, faz com que os medos e indecisões surjam na cabeça dos protagonistas e personagens à sua volta. As perguntas e dúvidas sobre um futuro nada certo faz situações comuns como sexo se tornar tabu e trazer a tona assuntos importantes para a mesa.
Um volume que retrata os tabus
Começamos a obra sendo apresentados aos personagens em um grau de maturidade, Nick indo para o último ano com uma indecisão em sua mente, segue o seu sonho, mas fica longe do Charlie ou fica e enterra fundo seu futuro? Por outro lado, Charlie só pensa em uma coisa, transar com Nick. A vontade parece tomar conta do elenco, durante diversos momentos o assunto de maior tabu durante toda história toma foco e isso é genial.
Diálogos leves e rotineiros fazem os espaços em brancos se preencherem e piadas e flertes por mensagem se tornam cada vez mais frequentes enquanto a ansiedade corrói ambos de formas diferentes. O ponto alto da obra é quando somos apresentados às cenas que envolvem o ato e ações relacionadas. Assim como toda a obra, a delicadeza toma conta por completo e até mesmo assuntos como a disforia do Charlie se tornam mais leves.
Apesar de não ver isso como um problema, é inegável que a suavização aconteceu e não existia essa necessidade, onde o Charlie muitas vezes se sentia rendido ao prazer, mas com dores por fora por conta dos problemas psicológicos relatados no volume anterior. Um ponto a se elogiar e uma das temáticas centrais deste volume é o futuro que parece corroer o pensamento de ambos, mas com o foco no Nick que está indo para um momento decisivo na sua vida e o relacionamento com Charlie parece ameaçado pela decisão a ser tomada.
A história segue a passos lentos com a progressão da aceitação de ambos os personagens com relação a seus problemas. Em muitos momentos a ansiedade perde foco para a aceitação das próprias dores e problemas que não são necessariamente ruins, mas sim parte do si. Diversos momentos são desfechos de problemas iniciados no primeiro volume e pavimentam o caminho para o desfecho da história que será no 6° volume que, por sinal ansiedade é o nome que me define agora.
Considerações finais
Eu acredito ser impossível alguém não conhecer essa obra, mas para aqueles que querem se aprofundar e conhecer mais, o universo criado pela Alice é extremamente denso e complexo, recheado de personagens incríveis com suas próprias histórias com dores e prazeres que merecem ser lidos. Nick e Charlie se tornaram símbolos de esperança para muitos garotos gays ou bissexuais que sonham em viver um relacionamento, um dia, por esse motivo que o amadurecimento de ambos é o caminhar da esperança para todos os leitores que um dia se sentiram oprimidos ou desacreditados no amor.
Heartstopper é uma obra de resistência e sua existência serve como forma de denúncia social e cria a esperança para uma parte da comunidade que vive rodeada de estímulos sexuais e esquece que um relacionamento é fundamentado no amor e não no sexo. A demora para tratar desse assunto foi proposital e precisava ser mostrada, pois vivemos em um mundo onde todos crescemos extremamente sexualizados e principalmente homens que se relacionam com pessoas do mesmo sexo se vem pressionados a serem os melhores durante o ato, e se chegar ao fatídico ponto de não gostar, está fadado a ser taxado de estranho em uma comunidade que era normalmente de aceitação e amor.
Alice criou uma história de acolhimento e amor, uma história que mostra um lado bom de uma comunidade que muitas vezes é seletiva na hora de demonstrar amor e precisamos como integrantes da mesma não sermos hipócritas e aceitar que o movimento LGBTQIAPN+ não acolhe a todos que precisam e muitas vezes é confuso naquilo que se propõe que é disseminar o amor.