Para aqueles que me viram chorando no vagão da Linha Azul do Metrô, gostaria de apresentar agora a minha justificativa: “O Dicionário das Palavras Perdidas” representa uma espécie de desintoxicação mental.
A narrativa começa de forma despretensiosa e se estabelece suavemente; no entanto, gradualmente se intensifica, tornando-se progressivamente vigorosa. Isso leva o leitor a desenvolver uma compulsão pela sua leitura e, ao alcançar o desfecho, uma sensação de abstinência instaurada.
Segundo Foucault: ” A linguagem, tomada como prática social, se reveste de grandes jogos de verdades (FOUCAULT, 2004) em que as relações de poder são definidoras.
O Dicionário das Palavras Perdidas é o livro de estreia da autora australiana Pip Williams, publicado em 2020, que o fará enxergar as palavras de maneira diferente em suas múltiplas facetas e contextos.
A história traça a vida de Esme, iniciando sua jornada no final do século XIX. Filha de um lexicógrafo, passa boa parte de sua infância e adolescência acompanhando o trabalho de seu pai no desenvolvimento do Dicionário Oxford da Língua Inglesa. A menina vivenciava parte de seus dias debaixo da mesa de seu pai, ansiosa por fichas de verbetes caírem no chão, para explorá-las e colecioná-las.
O que inicialmente era um hábito curioso, tornou-se um objetivo crítico, já que Esme percebeu que uma boa parte daqueles verbetes que caíam, frequentemente ignorados e não considerados adequados para sua inclusão no dicionário, estavam relacionados ao vocabulário das mulheres, cuja linguagem era considerada inapropriada e irrelevante.
Além de acompanhar a vida de Esme e o seu desejo de conquistar um lugar no Scriptorium, acompanhamos a sua visão de mundo em relação ao movimento sufragista, o que a leva a compilar palavras de várias mulheres em seu “Dicionário das Palavras Perdidas”, um projeto que visa dar voz às mulheres marginalizadas.
Outro contexto histórico é a Primeira Guerra Mundial e o impacto que teve em sua vida, desviando seu curso futuro. O romance apresenta diversos personagens representando variadas camadas sociais, contribuindo diretamente para o processo de amadurecimento de Esme.
A autora mescla fatos históricos com a narrativa, tornando-os simbióticos o suficiente para que acreditemos que aquela história realmente aconteceu. Atribui à linguagem um aspecto que vai além do formalismo acadêmico, conferindo-lhe um caráter orgânico, repleto da história de cada indivíduo, carregado de identidade e vivência.
O Dicionário das Palavras Perdidas nos convida a adotar uma perspectiva diferente sobre como as palavras podem representar uma voz comum, mas também a individualidade; podem representar o movimento de muitos, mas também as nossas lutas individuais. E o aspecto mais tocante da narrativa é ver o vínculo de Esme com as palavras e o quanto elas definem a sua vida.