“- Se tivesse a tolice de se perguntar ‘quem sou eu? ’ Cairia estatelada e em cheio no chão. É que ‘quem sou eu? ’, provoca necessidade. E como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto”.
Me obrigo a começar esta resenha dizendo que se você espera um livro normal é melhor nem começar a ler. Clarice Lispector não escrevia “normal” então a resenha também não será as que estão acostumados a ler. Logo nas primeiras páginas você, caro leitor, entenderá o que estou afirmando, pois logo nas primeiras linhas, o livro começa sendo narrado por um homem, mas ele não é só um homem personagem, ele é um escritor. É como se você lesse o processo criativo de um escritor ao sentar para escrever seu primeiro livro, literalmente, você conhece o processo criativo de Rodrigo S. M e suas dificuldades em escrever um livro de sucesso com a história de Macabéa.
Fazer uma resenha sobre um livro da Clarice não é a coisa mais fácil do mundo, ela era única, e não digo isso apenas por ser uma fã de carteirinha, mas, por que ela sabia transformar crônicas e contos em pura poesia, mas era um pouco incompreendida para sua época e na verdade, até para os dias de hoje, afinal, fazer livros sobre mulheres que comem baratas, e mulheres mortas depois de uma visita a taróloga, não é algo muito comum. Só que o negócio é o seguinte, para dizer sobre o livro “A hora da estrela”, eu preciso dizer sobre a escrita de Clarice. Ela gostava do impacto, do drama, mais do que isso ela gostava das metáforas. Tudo que ela escrevia tinha um significado a mais. Era puxado para o psicológico, para o sumo do inconsciente, como ela mesma dizia: Nas entranhas do nosso ser! Sim, entranhas! Ela normalmente usava coisas nojentas e asquerosas para dizer sobre o ser humano, sobre ela mesma, o máximo de egocentrismo que um ser poderia adquirir mas contagiava, pelo menos aqueles que entendiam o que ela queria dizer.
Tendo isso em mente, voltamos a história do livro, Rodrigo, o narrador em questão, nos faz viajar no psicológico humano, ele diz “Pensar é um ato. Sentir é um fato” e a obra é de fato, baseada nessa pequena frase. Eu poderia até dizer que metade de toda a narrativa é feita em reflexões e os sentimentos do escritor, tanto, que ele insiste em dizer o que ele sente em ser escritor, como ele sente em fazer aquele livro e isso pode parecer chato. Quem está acostumado com livros dinâmicos e aventureiros iria odiar logo de cara, por que é filosófico, te faz refletir na essência da vida humana, é um livro cheio de crise existencial e faz sentido já que “A hora da estrela” foi o último livro feito pela autora antes dela morrer, ou seja, está acostumado com o livro começar só após a narrativa? Se prepare para algo novo, por que o livro começa com a primeira palavra de Rodrigo, a narração é a história!
Aos poucos, e com o passar da narrativa, ele apresenta sua personagem principal, Macabéa. Ele conta que a conheceu nas ruas do Rio de Janeiro quando em troca de olhares, já conhecia toda sua história. Macabéa é Alagoana e perde os pais ainda quando era criança por isso ela é criada pela Tia dela porém, a Tia não é muito boa nisso e para educar Macabéa vive lhe dando pancadas na cabeça com os nós dos dedos. Macabéa em si é totalmente “ferrada”, mal sabe ler e escrever porque frequenta a escola apenas até o terceiro ano do “primário” mas consegue ir se virando com um curso de datilografia.
O tempo passa, ela cresce, no decorrer do livro Macabéa começa a aparecer mais na história deixando de lado um pouco o narrador e escritor, Rodrigo, sem deixar as partes reflexivas e psicológicas, na história, Macabéa muda com a Tia para um apartamento com mais quatro mulheres mas que nunca interagem com ela por serem balconistas e chegarem tarde. Durante essa narrativa, Macabéa mostra seu lado solitário e sonhador, fica ouvindo o Rádio relógio de madrugada e filosofando sobre seus sonhos de ser notada e ser uma estrela já que pela sua história sempre foi invisível e sem sal algum. Então ela tem seu primeiro romance, com o Olímpico Jesus, metalúrgico e nordestino e eles começam a namorar depois de um passeio romântico. O importante nesse momento, é notar que ela é precária de conhecimento e todo o momento Clarice tenta mostrar o lado nordestino e o preconceito com sua “simplicidade” ao mesmo tempo que mostra o lado sonhador de Macabéa de um dia ser alguém. Aqui, neste momento da história, acontece talvez o clímax, o mais importante do livro todo. Depois de uma certa desilusão amorosa, ela decide levar em consideração o conselho de quem a fez sofrer e vai numa cartomante, com batom vermelho nos lábios para se sentir uma estrela de cinema. A cartomante, a traz esperanças e diz que prevê um futuro brilhante para Macabéa e um novo e grande amor, Macabéa acredita tanto que diz para si mesma que está “gravida de futuro” como se fosse renascer das cinzas após sair da cartomante, e de fato renasce. Ao sair da cartomante, Macabéa morre atropelada por um carro luxuoso, com uma multidão ao seu lado, câmeras, e pela primeira vez, o centro das atenções, uma estrela em seu último sopro de vida! Ok, posso admitir que talvez isso seja revoltante, mas também é genial.
O livro “A hora da estrela” foi feito como uma crítica ao preconceito nordestino, a anseia de nordestinos virem para cidades grandes e o choque cultural que isso ocorre. Na época do livro, criticavam Clarice por ser alienada e por isso ela escreveu este livro para mostrar que ela podia criticar a sociedade e ainda usar sua psicologia e metáforas e estranhezas ao mesmo tempo. Não é um livro normal com certeza, e te revolta, e te faz pensar. É como Clarice diz “Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam” Boa leitura!
T A Hora da Estrela
Clarice Lispector
Rocco