Esquecer. Uma palavra que pode acalentar um coração sofrido, mas também apagar a existência de uma pessoa. É com essa premissa que “Oblivion Song – A Canção do Silêncio” – que não por acaso é “Canção do Esquecimento” em tradução livre – constrói sua narrativa profunda sobre uma pergunta que a agente se faz em algum momento da vida:
O que há além da morte?
Apesar de estar subliminarmente envolvido na trama, o leitor já consegue entender o tônus da história ao se deparar com o autor. Robert Kirkman nada mais é que o criador de The Walking Dead, a aclamada série de zumbis baseada nas HQs que conquistou o prêmio Eisner 2010 de Melhor Série Continuada – ela fala exatamente do que mesmo? Morte. Junto do ilustrador italiano Lorenzo De Felici, Oblivion Song Vol. 1 surgiu no mundo das novelas gráficas através da editora Intrínseca (no Brasil), em abril deste ano.
Oblivion Song – A Canção do Silêncio, embora tenha o mesmo tema que The Walking Dead, possui outro enredo e trama. A história se passa em uma dimensão alienígena para onde cerca de 300 mil habitantes da Filadélfia foram transportados misteriosamente. Este dia ficou marcado na memória dos remanescentes da Terra como “Transferência”. Na intenção de recuperar as pessoas desse lugar hostil – porque os aliens são selvagens – alguns cientistas desenvolveram um dispositivo capaz de viajar para este “outro lugar”. O principal criador desta tecnologia é Nathan Cole, que, após dez anos do acontecimento, ainda insiste em viajar para Oblivion resgatar os que ainda estão lá, mesmo com interrupção dos subsídios governamentais. Existe também uma motivação pessoal para ele querer voltar.
Se a história trata de uma dimensão alienígena, como então está falando da morte?
Na verdade, tocar no assunto morte é falar sobre a vida. A única coisa que temos certeza que fica depois que uma pessoa se vai é a lembrança dela, um pequeno eco de uma voz não mais ouvida… silêncio. Portanto é fácil identificar a profundidade da obra através de seu título, que exprime exatamente essa ideia.
A canção do silêncio é a memória que temos das pessoas que já faleceram.
A razão de Nathan Cole querer voltar a Oblivion para resgatar pessoas é justamente porque seu irmão está preso naquela dimensão. Ao criar esta motivação no personagem, Kirkman constrói um paralelo com o que a gente sente quando perdemos alguém que amamos. Tentamos desesperadamente fazer com que esta pessoa retorne.
Porém, quando Nathan finalmente encontra seu irmão, este se revela em paz. Mas como ele poderia estar bem em um mundo caótico? Assim como em The Walking Dead, as pessoas que permaneceram em Oblivion se adaptaram a uma nova realidade e os dez anos que passaram as transformaram. Elas não são mais os mesmos indivíduos de antes. Não desejam voltar para Terra por uma simples razão… Voltar para fazer o quê? Trabalhar em escritórios?
Este é outro ponto brilhante da mente genial de Kirkman. Suponhamos que ao morrermos, nós iremos para outro lugar – não necessariamente um paraíso – então imagine que neste lugar você aprende a aceitar que “não está mais vivo” ou descobrisse o real sentido de estar ali. Você iria querer retornar à vida?
É por isso que a história se chama “Oblivion”. Quando morrermos, se nossa consciência ainda existir, o melhor que poderíamos fazer é esquecer que um dia fomos vivos. Provavelmente sofreríamos se soubéssemos que estamos mortos. Por isso, Oblivion pode ser um lugar que nos ofereça paz. A Canção do Silêncio remete a essa palavra. Talvez a paz seja essa música silenciosa que ressoará através de nós quando nos formos daqui.
Talvez a paz seja o esquecimento.
Para além da profundidade tocada por Oblivion Song, o leitor ainda é convidado a se questionar sobre duas vertentes intrínsecas à ficção-científica: existe vida fora da terra? Existem outras dimensões? Desse modo, Robert Kirkman mantém vivo aquilo que faz o homem caminhar: as perguntas.
No dia que deixarmos de questionar, estaremos mortos.
Ao mesmo tempo que nosso “eu interior” conversa com a premissa da obra, somos cativados pelo excelente jogo de cores que a arte-finalista Annalisa Leoni magicamente distribuiu nas imagens. O tom esverdeado nos lembra que estamos lendo uma história sobre alienígenas; o roxo nos mantêm conectado ao assunto “outra dimensão” e o amarelo nos faz pensar em “vazio” (esquecimento). É delicioso explorar este trabalho que, de tão bem feito, evidencia que as cores também contam histórias.
Uma obra tão rica e grandiosa como esta não poderia ficar somente nos gibis. A Intrínseca divulgou em seu blog que a Universal Pictures e Skybound Entertainment vai produzir uma versão cinematográfica de Oblivion Song, mas ainda não se sabe quando os cinéfilos poderão apreciá-la, pois até o momento não há previsão de lançamento.
Oblivion Song – A Canção do Silêncio, além de entreter, conversar com interior dos leitores e provoca grandes questões sem respostas, ainda desfila uma série de sensações maravilhosas durante a leitura. Somos permeados pelo sabor agridoce que ocorre ao lembrarmos de alguém que já faleceu; pela alegria do reencontro com esta pessoa; e também sentimos que damos mais um passo para a aceitação do inevitável:
Um dia vamos morrer e isso não vai ser ruim.