O livro de Lionel Shriver chegou ao Brasil em 2007 pela editora Intrínseca e, até hoje, gera uma enorme repercussão. Mas… por quê?
Precisamos falar sobre o Kevin é um romance contado através de cartas que narram o passado e o presente de Eva, mãe do adolescente autor de uma chacina que terminou na morte de sete colegas de classe, uma professora e um funcionário de uma renomada escola em New York.
Essas cartas são endereçadas para seu ex-marido, Franklin, no intuito não só de relatar o que aconteceu anteriormente ou o caos que sua vida se tornou, mas o tom imposto em sua escrita é muito mais próximo de um diário. Suas palavras soam como um extenso desabafo e, conforme a leitura, é possível confirmar a função de autoajuda.
“Bem, o Kevin me apresentou a um país realmente estrangeiro. Disso eu posso ter certeza, já que a definição do local verdadeiramente estrangeiro é que ele instiga uma ânsia penetrante e perpétua de voltar para casa.”
Apesar dos manuscritos serem datados a partir do ano 2000, a história é passada entre 80’s e 90’s, tempos estes que dificilmente uma mulher teria liberdade para tomar decisões dentro do seu relacionamento sem ser questionada. O livro caminha entre temas um pouco delicados para serem digeridos rapidamente, mas que fazem parte de nossa rotina até hoje.
O principal assunto abordado é a gravidez compulsória. Eva sempre deixou claro à Franklin que não gostaria de ter filhos. Isso significaria perder seu tempo, sua vida e, principalmente, suas incríveis viagens. O homem, por sua vez, patriota e tradicionalista americano, não se sentiria como um legítimo de sua terra sem um filho para carregar seu sobrenome. A partir de chantagens e conversas que sempre terminavam em discussão, a vitória foi dada à Franklin, e Kevin viria ao mundo.
Kevin nasce através de um relacionamento abusivo, com uma mãe insegura e que não te daria o amor materno. Os relatos dessa gestação são por vezes muito tristes , senão intragáveis.
“Aquela foi minha introdução à maneira como, cruzada a soleira da maternidade, de repente você se transforma em propriedade social, no equivalente animado de um parque público. Aquela frase tão recatada, ‘você agora está comendo por dois, querida’, nada mais é que uma forma de provocação, porque nem mais o jantar é assunto privado seu.”
A história brinca com a mente do leitor e deixa dúvidas quanto à criação do menino, já que Kevin tem um pai pouco presente e uma mãe que não lhe garante carinho materno por motivos explicados desde as primeiras páginas. Será que seu lado sociopata desabrochou conforme o entendimento de exclusão, ou será que ele já nasceu assim ? A obra entrega várias interpretações e junto, a liberdade para criar teorias acerca do relacionamento entre menino e seus pais.
O livro é denso e de uma leitura lenta, mas de forma alguma isso é ruim. É necessário que seja sofrido para que o leitor entre na história que, por vezes, pareceu baseado em fatos verídicos. A escrita de Lionel é brilhante e te envolve no drama ao ponto de simpatizarmos com personagem de ética duvidosa.
“No momento mesmo em que ele nascia, associei nosso filho com minhas próprias limitações – não só com o sofrimento, mas também com a derrota.”
Uma literatura pesada, muito bem escrita, recomendada para quem aguenta fortes emoções. Uma trama focada no relato de uma mãe que nunca quis esse título. Lhe foi tirado o direito de escolha sobre o próprio corpo.