Até que ponto a fé precisa ir para manter os fiéis na linha? O uso da força, da ciência e até mesmo da hipocrisia seria emancipado ou abrandado em nome da crença? São essas questões que Rayd – A Lua do Caçador pretende responder. Há ainda uma provocação quanto à animalidade humana e se a resposta para recuperá-la estaria na ciência.
“A coisa saiu das sombras das árvores. Apesar da luz do dia ser-lhe insuportável, com ajuda do alimento vital conseguia se manter forte”
Rayd – A Lua do Caçador é o primeiro livro de Dan Kloster e compõe uma duologia. Ambos foram publicados de forma independente através da plataforma Bok2, que produz exemplares sobre demanda. Os volumes 1 e 2 podem ser encontrados em diferentes marketplaces, incluindo Amazon, Submarino e Estante Virtual.
Dan Kloster é formado em gestão de T.I. e reside em Curitiba, no Paraná. Ele trabalha com marketing digital, mas o que gosta mesmo é de tecer histórias do gênero fantástico. O autor espera conquistar os leitores que adoram uma boa fantasia.
Sinopse
Ambientado na Prússia do século XV, o livro traz a história de Rayd, que acorda nu em uma floresta gelada sem se lembrar de como fora parar ali. Ele é perseguido por criaturas à noite, estas que provavelmente estão assassinando algumas pessoas no condado de Balga. Como os corpos são encontrados com mutilações sem explicação, cabe ao investigador Iordan Zorn descobrir o que está acontecendo. Ele recebe ajuda de uma terceira personagem, a enfermeira Marielle Bazynski.
Animalidade humana
Ao se aventurar pelas páginas de Rayd – A Lua do Caçador, uma questão começa a ficar mais evidente. A criatura que persegue e, provavelmente, assassina as pessoas, possui traços humanos. Essas características são confirmadas quando Iordan encontra respostas no laboratório.
A situação propicia uma resposta para o conflito entre homem e animal. Talvez a resolução desse impasse se dê pela ciência. Por que essa reflexão é importante para nós, seres humanos? Porque precisamos aceitar que somos animais e que, por mais que sejamos pensantes, tenderemos aos nossos instintos quando eles falarem mais alto. Só ao entender nossa natureza é que poderemos administrá-la com mais eficácia.
Existe também um debate filosófico sobre a ciência intrínseco nas páginas do livro. Mesmo com a descoberta de uma nova tecnologia, qual limite ela não deve cruzar?
Hipocrisia religiosa
Essa dialética é bem utilizada pelo Bispo, que concentra na figura do demônio todas as criaturas que assim pareça. Ele se vale delas para enfatizar a necessidade da fé e de se viver em comunhão com a igreja. Ou seja, se você é fiel verdadeiro, nenhum mal vai te acontecer, pois sua fé o protegerá.
É claro que este é o discurso falado, mas dificilmente praticado. A história de Dan Kloster nos mostra o real motivo de existir igreja: poder. Através de seus dogmas, a igreja consegue manter qualquer população sobre seu domínio. E em meio às revoltas prussianas que ocorriam naquela época, a instituição só sobreviveu dessa maneira.
“O que são algumas almas perdidas em troca de milhares que serão salvas”
Apesar de ser uma questão bastante recorrente em diversas obras intelectuais, é sempre bom trazer mais argumentos e exemplos para ilustrar com todos os detalhes o real poder de uma igreja.
O livro mostra que, para mantê-lo, a igreja até se valeria daquilo que vive condenando: magia negra.
Sobre o estilo do autor
Dan Kloster escreve com bastante precisão. Seu foco está em descrever as cenas da maneira mais fiel que ocorrem à imaginação, inclusive as de ação. A aventura e a investigação parece ser o ponto forte de sua literatura.
Apesar disso, ele se utiliza de uma linguagem acessível e fluida. É importante destacar como sua escrita é impecável. Todas as palavras se aliam muito bem e ele não comete erros crassos que tenho visto até em editoras renomadas do mercado.
A literatura é calma, paciente e assertiva. Uma delícia de experimentar. Traz aquele prazer de degustar as palavras. Isso é perfeito aos leitores que exigem um caráter estilístico no texto. Porém, para um livro de aventura, quanto mais imperceptível o modo como o autor escreve, melhor.
Leitura
O leitor não vai encontrar dificuldades para ler Rayd – A Lua do Caçador. Toda a linguagem adotada por Dan é bastante fácil de entender e não vai demandar pausas para compreender o significado de expressões ou cenas.
Entretanto, os muitos cortes na trama interrompem o fluxo narrativo da história, fornecendo ao interlocutor “escapes” involuntários. Um ponto que podia ser melhorado é o detalhamento de algumas cenas. Há situações que receberam um foco muito excessivo quando poucas frases ou um parágrafo bastavam. Como isso é recorrente, pode acabar cansando a leitura.
Apesar do início da história ser bem envolvente, a meu ver ela poderia começar diretamente com a investigação de Iordam. Aliás, foram os capítulos que eu mais tive curiosidade de ler, pois a cada pista, formava diferentes teorias na cabeça. Então começar a partir da “interrogação” seria uma alternativa mais assertiva para o livro.
Outro detalhe que incomoda um pouco são os pensamentos dos personagens. Tem muita gente que não gosta, assim como também tem o mesmo volume de pessoas que adoram. O problema não é elas existirem, mas sim como são aplicadas. A maioria dessas aspas são feitas de maneira muito ensaiada, como se todos os personagens fossem hábeis filósofos. Pode-se notar que elas não condensam bem a personalidade deles e acabam se aproximando da artificialidade.
Se o autor apostasse mais na organicidade e nos traços dos personagens, acredito que os pensamentos se tornariam um atrativo a mais à narrativa.
O livro acaba sendo um pouco extenso também porque há alguns capítulos e/ou trechos que não precisariam estar ali. Há momentos de uma história que não precisam ser contados em todos os detalhes, às vezes uma linha resolve a cena e o autor não precisaria desenvolvê-la. Isso só faz cansar o leitor.
Mesmo assim, ler o livro de Dan Kloster é uma experiência que só tem a abrir os olhos do leitor.