Anunciado na The Game Awards de 2020, Road 96, desenvolvido e publicado hoje (16) pela DigixArt, é o mais novo jogo a ser lançado para Steam, Epic Store, Nintendo Switch e GOG. Tendo os jogos Lost in Harmony e 11-11 Memorys Retold em seu currículo, a empresa indie francesa quis inovar, produzindo um jogo de escolhas narrativas que fosse gerado de forma procedural, dando a cada jogador uma experiência envolvente e única. Agradecemos por termos recebido a permissão para jogar a versão de Review de forma antecipada ao lançamento. O acesso ao jogo foi feito através da steam, ele foi jogado por cerca de 20 horas antes da produção da review, tempo no qual foi possível terminar o jogo 2 vezes e chegar a metade novamente, e as especificações do computador utilizado são: Processador – AMD Ryzen 3500x / RAM – 16GB / Placa de vídeo – NVIDIA GeForce GTX 1660.
A grande ideia de Road 96 é que você irá controlar diferentes jovens do país de Petria, no ano de 1996, que estão na estrada para tentar fugir do mesmo, que é governado pelo remige totalitário de Tyrak. Ao longo da estrada, você conhecerá outras pessoas, passará por situações divertidas, tensas, tranquilas e perigosas, mas, acima de tudo, imprevisíveis, com cada jogador construindo uma história própria e nenhum vivendo a mesma viagem. Sendo assim, Road 96 pode ser dividido em dois focos: O foco político, uma vez que a situação política e a história do país não apenas é o que colocou o jogador na estrada como também é o pano de fundo que justifica as ações de todos os outros personagens, e o foco viagem na estrada, já que toda a ideia central do game é que você esteja em uma viagem na estrada e passe por situações inesperadas por conta disso.
Começando pelo foco político, Road 96 é… raso. Petria é um regime totalitário clichê e esteriotipado de livros/filmes de ficção, isto é, um país 99% fechado (pessoas só podem sair para outros países para trabalhar), sem contato com mundo exterior e com coisas absurdas acontecendo (apesar de o jogo contar apenas uma ou duas delas), no qual ocorrem (e estão ocorrendo durante a história) eleições mas que normalmente são fraudadas para manter Tyrak no poder, uma vez que todo o sistema democrático do país seria uma fachada. Ao longo do jogo, o jogador terá diversas opções que influenciam em como será o decorrer da eleição e o que irá acontecer no dia da mesma, o final do jogo. Essas opções se dividem em 3 árvores: Incentivar que as pessoas votem em Florres, a candidata da oposição, Incentivar o movimento guerrilheiro revolucionário (a “Brigada Destruidora“), ou ser indiferente, acreditando que o país não tem mais solução e as pessoas só podem fugir e agirem por si mesmas.
Enquanto o jogo faz um trabalho interessante em alguns aspectos, como mostrar que movimentos revolucionários são compostos por pessoas comuns, que não necessariamente concordam entre si em como realizar o mesmo, e que a própria polícia planta provas e comete delítos para incriminar o movimento, você passa o jogo todo tendo o poder de apoiar Florres, mas em nenhum momento sabe nada sobre ela, ou o porque ela é uma opção melhor que Tyrak. Ao longo do jogo você entende que Tyrak, que inclusive é nomeado por personagens como um fascista, sustenta um sistema que privilegia uma classe burguesa minoritária em contrapartida ao resto da população, mas nada no jogo demonstra que com Florres será diferente. Entendo que isso pode ter sido feito porque diálogos extritamente políticos tornariam o jogo monótono, mas ainda assim é estranho apoiar uma candidata que você não sabe nada.
Além disso, a visão de um país totalitário completamente fechado é historicamente rasa. A grande maioria das ditaduras que tivemos no mundo eram financiadas e apoiadas por países externos e imperialistas com interesses em explorar os recursos e a força de trabalho do país que estava sob o estado totalitário. Por exemplo, se pensarmos nos regimes militares que ocorreram no continente Americano, no geral eles possuíram o denominador comum de terem sido aliados e apoiados pelos EUA. Tratar de estados totalitários, movimentos revolucinários, fascismo, ditaduras, excluindo o fator Imperialismo, é extremamente raso e recorrente em histórias de ficção, mas não é algo que reflete a história real da humanidade. Então para qualquer pessoa que tenha interesse e/ou um estudo mais aprofundado em questões de história, sociologia, governos, economia, etc, isso se torna um ponto bastante negativo no jogo. MAS, como sei que esse não é o caso da maioria esmagadora do público que irá jogar, encerro aqui meus parágrafos de picuinha com esse assunto.
Só deixar claro também que não estou querendo dizer que o conhecimento desses temas por parte dos criadores do jogo é raso, e sim que a forma que eles se apresentam no jogo é.
Entrando no foco da viagem é onde Road 96 começa a ficar muito interessante. Basicamente, uma “aventura completa” do jogo é dividida em 6 viagens, no qual em cada uma você controlará um adolescente diferente que fugiu de casa, cada um começando com uma quantidade de dinheiro, energia e uma distância própria da estrada 96 e da fronteira. Assim, cada vez que você avança pela estrada, você irá passar por diferentes “episódios” com os personagens que irá conhecer. Essa é a parte divertida, você nunca sabe quem irá encontrar e também nunca irá repetir o encontro com um mesmo personagem em uma viagem, e não necessariamente passará por todos. Cada episódio tem sua própria história e título também, que costuma ter a ver com o tema do mesmo.
Os personagens importantes que podem ser conhecidos são: Zoe, John, Fanny, Alex, Stan & Mitch, Sonya e Jarod. E aqui vem um ponto forte de R96, TODOS são extremamente carismáticos. Veja bem, você não necessarimente vai gostar de todos, mas os 8 personagens tem personalidades muito bem definidas e histórias que os tornam únicos e interessantes. Vou evitar falar muito deles para que quem for jogar tenha a possibilidade de conhecê-los. Além disso, existem 6 habilidades que podem ser adquiridas em determinados episódios com esses personagens que te possibilitam novas maneiras de interação com o jogo. Existem alguns outros personagens recorrentes além desses, mas sua interação com eles é bem menor. As pequenas histórias que cada episódio conta também costumam ser muito boas, indo desde umas muito engraçadas até outras bastante tensas. Durante esses episódios, você costumar ter diversas opções de diálogos com os personagens presentes.
Para viajar na estrada, você possui a opção de ir andando, pedir carona, andar de ônibus, chamar táxi e até mesmo roubar um carro. Essas opções costumam ter custos diferentes. Andar de ônibus e chamar um taxi costuma te dar a oportunidade de dormir e recuperar suas energias, porém custam dinheiro. Pedir carona e ir a pé costumam gastar energia, mas te poupam dinheiro. Roubar carros economizam os dois recursos, mas para isso primeiro é necessário encontrar a chave do mesmo. O jogo ainda possui um sistema de Karma de ações boas e ruins que você realizou, mas, honestamente, durante minha jogatina não consegui identificar no que esse sistema influecia.
É importante saber administrar esses recursos, se não sua viagem pode acabar mais cedo do que o esperado. Em R96 é possível não completar a viagem. Como comentei anteriormente, existem episódios com situações tensas e perigosas, dessa forma, é possível morrer no jogo, assim como ser preso, e, caso alguma dessas coisas aconteça, a sua viagem é interrompida e você passa para o próximo adolescente em outra viagem. Além disso, ao chegar na fronteira, existem diversas maneiras de escapar, que também se utilizam desses recursos, então não tê-los pode significar falhar em tentar fugir do país. O jogo ainda tem um sistema que sempre que você escapa através de um meio, não é possível mais utilizá-lo, sobrando menos opções para os próximos adolescentes.
Se torna bastante divertido ir conhecendo os personagens e ver eles citando histórias/conversas que tiveram com adolescentes anteriores que você controlou. E, em minha primeira jogatina, a cada episódio que passava eu ficava mais curioso com o que aconteceria na sequência, quais coisas eu iria descobrir dos eventos passados e atuais do país, quais personagens eu encontraria e como minhas decisões iriam influenciar no jogo. Posso dizer que na minha primeira aventura completa eu fiquei bastante imerso no jogo, aproveitando tudo que acontecia e imaginando quais seriam as outras possibilidades se alguns eventos tivessem acontecido em ordem diferente. Outra coisa legal é que diversos episódios contam com mini games únicos para dar um pouco de variedade na jogabilidade, que podem ir desde jogar o clássico Pong, até arremessar dinheiro no carro da polícia para que ela pare de te seguir.
E então eu comecei minha segunda jogatina completa. O jogo traz o sistema de “Novo jogo+” que te permite manter as habilidades adquiridas anteriormente para poder explorar mais livremente as opções. E aí que Road 96 voltou a decepcionar. Na segunda jogatina eu busquei ter ações bastante diferentes da primeira, justamente para ver quais mudanças aconteceriam no mundo. Ao passar por episódios que não havia passado anteriormente, o jogo manteve a qualidade de surpreender, mas ao jogar novamente episódios que já conhecia, percebi que na realidade R96 é BASTANTE linear, algo que é oposto a proposta de jogos com geração procedural. Mesmo escolhendo aquelas diversas opções de diálogo e ações diferentes, os resultados eram muitas vezes os mesmos. Existem sim alguns episódios que podem ter conclusões completamente novas, mas muitos levam sempre ao mesmo caminho independente do que você faça.
Além disso, existem três acontecimentos grandes ao longo da história, dois no meio dela, e o final. Ambos os acontecimentos de meio de história, mesmo comigo tomando ações completamente opostas que deveriam influenciar diretamente neles, aconteceram exatamente da mesma maneira de uma forma inclusive frustrante. O final, por sua vez, teve mudanças mínimas. Bastante significativas, mas mínimas.
Outro fator que decepcionou foi o fato de a ordem em que os personagens aparecem pouco influenciar nos episódios posteriores. Explicando melhor, diversos personagens se conectam de alguma forma, e às vezes você está em um episódio junto a um personagem que cita alguém com quem você já esteve anteriormente naquela viagem… e é isso, não existe nenhuma interação diferente que você possa ter. Aliás, para não dizer que não tem, existe exatamente um episódio no jogo onde você pode contar para um personagem que conhece o outro de quem ele está falando.
Existem algumas coisas que mudam no “universo” de acordo com a ordem dos episódios. Na minha primeira jogatina, logo no meu primeiro episódio eu ajudei um personagem a desenvolver um jogo, então era possível encontrar esse jogo em bares e até pessoas falando dele. Na minha segunda jogatina, eu nunca passei por esse episódio, então o jogo não existia em nenhum lugar. Isso é uma mudança legal, porém é uma mudança apenas de detalhes, e não de algo que realmente tem importância na história.
O maior problema dessa linearidade é que, de acordo com que você vai completando todos os episódios que os personagens tem a oferecer, você perde a vontade de rejogar o jogo, visto que não há muitas opções para se explorar. Sim, nenhuma viagem é igual a outra, mas a maior diferença é a ordem dos episódios, e não os acontecimentos. Ainda existem alguns episódios sem personagens, apenas com você explorando cenários, alguns inclusive muito bons mesmo sem nenhum diálogo, que dão uma longevidade maior a jogabilidade.
Trazendo agora alguns outros aspectos, como é possível perceber pelas imagens na matéria, os gráficos e o estilo de arte de Road 96 é bastante simples, porém não deixa de ser belo, principamente por alguns cenários em específico. Em relação a bugs, na versão de review enfrentei apenas dois: Uma única vez o jogo crashou, e quando repeti a ação que o tinha feito crashar tudo funcionou normal, e em uma outra oportunidade ao abrir uma porta a caixa de colisão dela me empurrou para dentro da parede, me fazendo ficar entalado e tendo que reiniciar o jogo.
Agora falando de um aspecto que eu estava guardando para o final: A trilha sonora. Road 96 tem uma trilha sonora original simplesmente fantástica, com músicos como Cocoon, The Toxic Avengers, Robert Parker, entre outros, o jogo sempre surpreende com uma música diferente, inclusive sendo possível colecionar e coletar no jogo diversas fitas cassete de walkman com todas as músicas, fato que me fez mais de uma vez ficar parado em algum cenário ouvindo uma das músicas que eu tinha colocado para tocar. Abaixo deixo minha recomendação da OST:
Sendo lançado por R$49,96, o jogo vem e um bom preço pela experiência que ele oferece ao jogador, mas talvez um pouco alto, então se não estiver com vontade imediata de jogar, pode considerar esperar uma promoção. Ainda tem a opção de compra de pacotes ou das DLCs separadas que contém tanto a trilha sonora, como também um eBook contando os eventos de 1986, 10 anos antes do jogo, que são frequentemente citados ao longo da história e se relacionam com quase todos os personagens. Mas já deixo avisado: Se você não gosta de jogos narrativos, não é esse o jogo que vai te fazer mudar de ideia.
No fim, Road 96 apresenta problemas, mas nenhum que estrague a experiência de joga-lo, apenas lhe fazem pensar “é, esse jogo poderia ser melhor”. Ainda assim, é uma experiência bastante sólida e divertida, com momentos muito bons. Dificilmente R96 será o jogo mais marcante de alguém, mas também não será esquecido. É possível também que alguns desses problemas sejam exclusivos da versão antecipada de imprensa e que possam ter sido corrigidos até o lançamento oficial, mas não há como saber. Road 96 é como uma viagem longa e inexperada. Ela te traz momentos muito bons, e alguns outros decepcionantes, mas fica na sua memória como uma boa experiência e uma boa lembrança.