The Outsiders – Vidas Sem Rumo é um livro escrito pela autora S. E. Hinton publicado pela primeira vez em 1967 pela Viking Press, ganhando uma adaptação para o Cinema em 1983 pelo diretor Francis Ford Coppola (Poderoso Chefão e Apocalypse Now). A editora Intrínseca retornou o livro às livrarias brasileiras em abril com tradução de Ana Guadalupe. Ele foi impresso em edição de luxo, com capa dura, pintura trilateral, tradução e projeto gráfico inéditos, contendo também uma carta da autora e um prefácio de Ana Maria Bahiana (jornalista e crítica de cinema), além de uma entrevista com a autora e uma seção dedicada aos bastidores do filme.
Em 1988, Hinton foi agraciada na primeira edição do Margaret A. Edwards Award, prêmio da American Library Association dedicado às obras voltadas ao público jovem.
Susan Eloise Hinton, nasceu em Tulsa, Oklahoma. Tinha quinze anos quando começou a escrever o livro. A maior parte dele escreveu aos dezesseis, em seu último ano na escola. O livro foi publicado em 1967, causando um tremendo sucesso e dando voz à juventude.
O clássico conta sobre a rivalidade de duas gangues, formadas por jovens, na cidade de Tulsa, em Oklahoma. Nosso narrador e protogonista pertence ao lado dos Greasers, que se opunham contra os Socs.
“— Eu sou um Greaser — começou a cantar Sodapop. — Sou delinquente, sou bandido. Sujo o nome da cidade. Dou porrada. Roubo posto. Sou uma ameaça pra sociedade. E, cara, é bom demais!”
Greaser é um termo pejorativo para se referir a uma cultura estadunidense de trabalhadores pobres marginalizados. Esta etimologia é a base do conflito que existe entre as gangues. Greaser contra Soc não se difere da classe trabalhadora contra a consumista, sendo os dois grupos representantes de um grande extremo de cada.
Para esta juventude, a identidade vai além do visual, é uma questão de “Onde tu vem? A qual família tu pertence? Com quem tu andas?” Definições que estão referentes ao declínio do individualismo nas sociedades em massa, quando o ser se apaga para dar nome e imagem a sua tribo, mesmo ela sendo uma Tribo Urbana.
O surgimento dos Greasers se passa um pouco depois da Segunda Guerra Mundial, quando temos mais uma enfatização extrema do conflitos entre tribos opostas, do orgulho pela identidade e da revolta contra a diferença. A primeira coisa que chama atenção na obra é repararmos que até mesmo crianças nascem e morrem batalhando nesta crise conflituosa.
Existem várias obras que abordam este contexto de criação de diferentes grupos pós-guerra, mas geralmente seus personagens são adultos mais velhos. Em The Outsiders – Vidas Sem Rumo, acompanhamos a vida de Ponyboy, um moleque de quatorze anos, meio mirrado e bastante inteligente, o mais novo Greaser entre os irmãos e o grupo de amigos. Depois da morte dos seus pais, ele passou a conviver apenas com o irmão Sodapop, dezesseis anos, e Darrel, vinte anos.
Tantos os irmãos quanto os outros membros do grupo têm suas características muito bem apresentadas e trabalhadas durante toda narrativa, até mesmo os Soc’s. A autora se preocupa em mostrar que por trás de todo esse uniforme existe uma identidade única em cada individuo. Ela não torna a individualidade o grito da obra, pois está mais concentrada em dizer quem eles são incluindo o uniforme, a convivência de suas diferenças relacionadas numa identidade geral. Ela aborda o todo.
“Naquela hora eu entendi tudo. Soda brigava por diversão, Steve, por raiva, Darry, por orgulho, Two-Bit, para ser igual aos outros. Por que eu brigo?, pensei, e não consegui encontrar nenhum bom motivo.”
Empatia devido a dor
Este ‘conheça a ti mesmo’ na obra só é abordado depois que nos acostumamos com a identidade das gangues. De início, a narrativa te coloca conectado àquele mundo mostrando a violência que as gangues causam entre si, nos instigando a temer quando ambos se encontram ou esperar provocações quando um se refere ao outro. Leva tempo para entendermos que um Soc também tem nome e emoções; e que um Greaser ser cruel não é tão comum quanto parece.
Depois que somos guiados lentamente e cuidadosamente nesta visão mais detalhada do que é um grupo, a composição de pessoas que ali convivem, e que todas possuem suas próprias identidades, somos confrontados a descobrir detalhes tão profundos delas que nem mesmo outros personagens sabiam.
E logo após este choque de olhar para um quadro e enxergar pontinhos, de avistar um grupo em que os membros se vestem parecido tanto nas roupas quanto no penteado e conseguir perceber o sentimento de cada um, nossa visão tribal começa a morrer. Passamos a deixar de enxergar que é uma gangue com imagem, identidade e reputação e vemos personagem por personagem, pessoa por pessoa, dor por dor.
“Quer saber de uma coisa? — Ela me encarou. — A vida é dura para todo mundo”
Um fator arriscado, mas que foi muito bem executado na narrativa, é do narrador ser o Ponyboy. Este menino mais novo coberto de entusiamo pela admiração e amor que tem pela gangue tem um desenvolvimento excelente que acompanha tanto o personagem quanto o narrador. Não conseguimos enxergar a autora, apenas o Ponyboy e, junto dele, nós crescemos esta visão que possibilita enxergar a dor que cada um carrega atrás do uniforme. Mesmo o protagonista, que é membro da gangue, mostra que tem muito a aprender sobre reconhecer a identidade de cada um ali, o que nos ajuda em muito como leitor a ter o mesmo tipo de aprendizado.
“No fim das contas os Socs eram só caras normais. A vida era dura para todo mundo, mas era melhor assim. Assim você sabia que o outro cara também era um ser humano”
A conclusão da história consegue ser ainda mais forte de tudo que foi apresentado. Com leveza, o livro cumpre com tudo que propôs ao chamar a atenção do leitor. O ponto mais alto é que ele desenvolve tanto o leitor. Durante a leitura — mesmo que iniciada e finalizada num único dia — o leitor passa a observar os personagens, as gangues e todo aquele mundo de forma diferente, e quando se dá conta, tanto o personagem quanto o leitor estão diferentes.
Francis Ford Coppola
Em 1980, meses depois da árdua produção e lançamento de Apocalypse Now, uma carta chega nas mãos de Coppola, diretor do acalmado Poderoso Chefão. Junto da carta vinha uma edição de bolso de The Outsiders e uma missiva curta com 301 assinaturas: trezentas de alunos e uma de Jo Ellen Misakin, bibliotecária de uma escola no interior da Califórnia.
A edição de luxo que a Intrínseca apresenta tem esta carta e a reação de Coppola em seu prefácio. Assim que terminaram as filmagens de O Fundo do Coração, Coppola deu início a The Outsiders, que no Brasil ganhou o título Vidas sem rumo. O diretor trouxe a autora para o set para trabalhar com ele na versão final do roteiro, ao mesmo tempo que escrevia O Selvagem da Motocicleta, outro do mesmo gênero.
Coppola infelizmente parece não dar muita conta em adaptar a obra literária para o audiovisual; seus planos são quase sempre bastante abertos, provavelmente pela quantidade de personagens que quer apresentar visualmente, mas acaba perdendo a atenção na concentração que devemos ter ao drama de cada personagem. Quando tenta fechar o plano, movimentando a câmera num ar que indica que agora devemos dar atenção ao diálogo, os atores – mesmo que muito bons – não conseguem acompanhar esta direção e acabam deixando o clímax passar antes mesmo do enquadramento se encontrar.
São raros os momentos em que o filme acerta em dar atenção ao que os personagens dizem, as partes em que consegue enfatizar certa situação são nos momentos violentos; estes conseguem ter muita atenção e até dividi-la com o que os personagens tem a dizer, aí conseguimos achar o drama.
Parece que o diretor teve uma preocupação maior em se perguntar “Como posso mostrar esta história?”, do que em “Como contar?”. Os personagens também são frutos desta característica de composição, tem uma força e ânimo tão de acordo com o fato de serem jovens que não possuem nenhuma pausa em suas palavras, e elas saem como se fossem nada; o filme mostra muito bem que são jovens, mas não que são jovens que precisam ser ouvidos.
Este problema está sempre ligado ao fato de acreditar que uma boa adaptação basta em deixar a história ser contada. É preciso ter a noção de que são meios de comunicações diferentes, portanto torna-se necessária uma estratégia bem elaborada, o que faltou no filme. Fora isto, a importância da criação de uma adaptação para o Cinema começa quando um diretor experiente se interessa e decide trabalhar numa história de gangues em que os personagens são jovens.
A história influência escolhas
É esta atenção que The Outsiders: Vidas Sem Rumo consegue de qualquer um. Sua grandiosidade mostra que até mesmo alguém com nome de peso, no Cinema, pode sofrer dificuldades em recontar a obra, mesmo quando entendem a necessidade de mostrá-la.
Ajudar os jovens a se encontrarem e a poderem ser capazes de enxergar os outros ao seu redor, e melhor ainda, ajudar àqueles de fora a saberem que esta juventude está além de uma generalização básica, é o primeiro passo para que ela permaneça dourada.