Isso é uma adaptação, não uma recitação
Matthew López, diretor de Vermelho, Branco e Sangue Azul.
Em meio a supervalorização de longas conceituais e melodramáticos, sem fuga da realidade ou diálogos simples, premissas bem pensadas e cenários e fotografia carregadas na “estética” a fim de viralizar e personificar o “cult”, além da obrigatoriedade dos plots twist nessas produções; o ano de 2023 está repleto de filmes que seguem o sentido contrário e vão além dessa idealização. Desde John Wick 4 com suas boas mentiradas típicas de blockbusters no gênero de ação à Barbie com seu mundo utópico e cheio de mensagens em forma de piadas leves e divertidas no gênero de fantasia.
Não estou insinuando que é errado o público geral começar a ter um olhar mais crítico, ou que filmes que nos fazem pensar sejam naturalmente ruins e devam ser desvalorizados, ou até mesmo que filmes bobos são melhores que esses outros; Mas sim que a extremidade dessa alienação que se forma acaba desprezando qualquer filme “farofa” que tem como seu papel o entretenimento para os seus espectadores.
Vermelho, Branco e Sangue Azul se introduz nesse meio de entretenimento com fanservices e fidelidade ao livro. Com isso, o filme se reconhece como uma certeza de um produto lucrativo e mostra que seu propósito não era ser somente isso.
Se enxergando além de uma boa mercadoria, Vermelho, Branco e Sangue Azul se aproveita de fórmulas, sendo elas: a boa e velha fórmula das comédias românticas em seus anos de ouro e a fotografia representando sentimentos em seus elementos. Elas foram suas grandes aliadas no decorrer ao se mesclarem e se tornarem um só. Conseguiu ser dois em um: um drama estético supervalorizado como citado no início do texto e uma rom-com leve, boba e com mentiradas (no bom sentido).
Como o filme se trata de uma rom-com (comédia romântica), vemos que seguiu as fortes influências de clássicos do gênero que ganhou força nos anos 90 e 2000. O famoso subgênero literário e cinematográfico “enemies to lovers” foi bastante utilizado e frizado nos primeiros minutos do filme e fluiu até o final dele. Mesmo que muitos estejam cansados do clichê desse gênero, o longa contorna toda essa situação sem que se torne chato, uma vez que clichês tem como sua característica o final previsível e a trama se torna tão interessante que nos envolvemos mesmo assim.
Uso como exemplo na questão da fotografia e do visual a cena da primeira noite de Henry e Alex e a cena de quando Alex se declara para Henry no lago. O diretor de fotografia Stephen Goldblatt e os de montagem Kristina Ketherington e Nick Moore conseguiram que ambas as cenas tivessem elementos e ambientação que trouxessem aspectos românticos, profundos e delicados como a escrita de Jane Austen ou até mesmo referenciando seus dois longas adaptados, Orgulho e Preconceito (2005) e Emma (2020).
Todo o clima estético captura especificamente os sentimentos e seus contrastes dos dois personagens, como na cena do lago, em que a ambientação em si servia de referência ao que sentiam, sendo a água transparente como o amor de Alex por Henry, e o céu ensolarado focado em Henry para transmitir a sua vulnerabilidade quanto às declarações de Alex.
Nessa e em outras cenas que retratam as complexidades de cada personagem não só apenas a fotografia está envolvida como também a atuação envolvente de Nicholas Galitzine e Taylor Zakhar Perez. A intensidade que eles criaram nas suas proximidades logo no início se tornam todo o foco do filme naturalmente, como nas cenas em que eles começam a criar uma relação que, mesmo que tenha começado em ligações e emails, a transição que montaram ao longo da cena misturado com as expressões e as articulações do personagens deixou tudo mais real e fortificado.
Com toda a química dos atores, as cenas sexuais e eróticas também foram o ponto forte crucial para toda a trama, sendo estabelecida nos cortes frenéticos e interligados da cena do polo e na cena da primeira noite do casal. A linguagem corporal e facial deles tornaram tudo significativo e delicado, envolvendo a paixão mas ao mesmo tempo o amor que nascia entre os dois.
Como citei anteriormente, essa comédia romântica apresenta mentiradas, e claro, já eram de se esperar por causa do mundo utópico que o livro é ambientado – como a parte política, que mesmo que seja uma fantasia, no livro essa narrativa é bem complexa, e já no filme é simples de compreender e até um pouco boba pela facilidade das resoluções dos problemas. E é esse o outro ponto positivo da trama, que apesar de ser tão utópico e, contudo ingênuo, o desenrolar dele se torna incômodo e até mesmo imperceptível.
Por fim, é gratificante que Vermelho, Branco e Sangue Azul seja mais um dos grandes acertos das adaptações de 2023 (e temos uma boa lista), sendo fiel às pautas enraizadas e nas adaptações em si feitas no seu processo, lidando muito bem com o ponto de vista do diretor e a sua parte criativa na construção e na abrangência do universo em que o livro foi criado – as cenas adicionais são grandes exemplos disso.
Portanto, não podemos falar o que o diretor deveria ou não ter feito, sendo excluindo algumas partes do livro, ou se era melhor ter transformado o filme em uma série, e até mesmo a falta de desenvolvimento de certos personagens coadjuvantes, pelo simples e único motivo: isso é uma adaptação, não uma recitação.