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Recentemente foi anunciado a contínua trajetória dos filmes de James Bond, apresentando uma grande mudança no universo, Lashana Lynch (Capitã Marvel), uma atriz britânica negra, assumirá o lugar de 007.
O anúncio acabou gerando uma grande repercussão nas redes sociais, além de questionamentos sobre a franquia, entretanto, foi esclarecido que Lynch não será James Bond (Daniel Craig) , sua personagem, Nomi, vai assumir o posto de 007 porque Bond deixará o MI6 (serviço de inteligência britânico). Ela não será exatamente a agente especial, mas sim uma representante dele.
Antes desse fato, e mudança marcante, a trajetória da saga era realizada somente por personagens com determinadas “características físicas e gênero”, nesse caso, deveria ser um homem, cis e branco. Esse histórico vem acontecendo desde 1960, iniciando com o primeiro e oficial James Bond do cinema, interpretado pelo escocês Sean Connery que é lembrado hoje como o responsável pela popularização dos filmes de espionagem. Após Connery, vieram inúmeros outros atores interpretando o personagem, mas todos mantendo as “características” intactas.
Agora, após décadas da franquia sendo interpretada da mesma forma, uma mudança que pode ser muito positiva, acabou gerando vários debates. É compreensível a ideia de querer que um filme — que mantenha uma continuidade em seu enredo — tenha os mesmo personagens, mas entendemos que o universo de James Bond não é assim. Todavia, quando surgiu rumores de que a mudança do personagem poderia incluir um homem negro ou uma mulher, houve uma terrível aceitação entre as pessoas. Com certeza, isso nos leva a refletir sobre os enigmas e contexto histórico desse ato.
A questão então é: qual o motivo central de não poder colocar uma mulher e ainda mais se essa mulher for negra? Além disso, o que levou a ter uma franquia somente de homens e branco, que majoritariamente sempre são conquistadores de várias mulheres e mostram a vantagem de ser, não somente um espião, mas um homem, cis e branco na sociedade? De acordo com a roteirista Phoebe Waller-Bridge, quando entrou no projeto afirmou que saga precisava crescer, “e o mais importante é que o filme trate as mulheres de maneira correta”
De acordo com Phoebe Waller:
Há atualmente muita conversa sobre a relevância de James Bond, por causa de quem ele é, especificamente a forma como trata as mulheres. Acho que isso é uma besteira. Ele continua completamente relevante, apenas precisa crescer, evoluir. O mais importante é que o filme trate as mulheres apropriadamente. Bond não precisa. Ele tem de fiel ao seu perfil”. Ela falou, também, acerca das expectativas quanto à visão das principais intérpretes femininas: “Só quero ter certeza de que Lashana Lynch, Léa Seydoux e Ana de Armas leiam o roteiro e não vejam a hora de interpretar aquilo. Como atriz, raramente tive essa sensação no início da minha carreira. Me dá muito prazer saber que posso proporcionar isso a uma colega”.
As maiores bilheterias de todos os tempos tendem a refletir os aspectos culturais e sociais de sua época. Então, como mulher e em pleno século XXI, acredito que seja fundamental a escolha de Lynchd para o papel no 25º filme da franquia. A atriz teve destaque no seu último filme em Capitã Marvel, mostrando muito talento e as chances de ser ainda melhor nesse filme são altíssimas. Além disso, essa mudança só prova a evolução industria cinematográfica, pois apresenta preocupação na inclusão e importância da representatividade — não que estejam preocupados realmente com isso, mas por terem entendido que esse pode ser um método lucrativo.
Ainda assim, apresentar a inclusão e representação de mulheres fora do contexto onde são colocadas como frágeis, sexualizadas ou que precisam de um salvador masculino, acaba desconstruindo décadas e até mesmo séculos de uma visão pre-determinada que pairava sobre a mulher.
Anteriormente, as mulheres eram consideradas incapazes diante do set de filmagem, sendo muito difícil encontrar uma nos cargos de produtores, roteiristas, diretores e outras funções que são parte do cinema. Consequentemente, entendemos que ainda há um longo caminho a percorrer para diminuir a desigualdade entre os gêneros e como essa luta é importante. Portanto, qualquer inclusão dentro desse universo é motivo para se comemorar, pois a falta de profissionais do sexo feminino por trás das câmeras é um reflexo problemático de uma sociedade que ainda precisa ser desconstruída.
Agora, como mulher e negra, vejo as correntes ainda mais apertadas. A luta da mulher negra é diferente da luta da mulher branca na cultura hegemônica. As mulheres negras são as mais discriminadas por sua raça, as mais oprimidas, as mais exploradas como trabalhadoras, além de estarem em uma escala extremamente alta como vítimas sexuais.
Não é nenhuma novidade as problemáticas de inserção para pessoas negras na indústria do cinema e a luta para se desfazer o preconceito inconsciente existente, como o fato de que se acreditar que filmes [feitos por ou estrelados por] negros não faziam sucesso ao redor do mundo, algo que antes era um pensamento bem forte, e que com as lutas e conquistas está se desfazendo aos poucos.
Portanto, a reflexão desses fatores históricos que compõem nossa estrutura social, nos faz entender que para uma mulher negra avançar nesse filme, e ser apresentada como uma protagonista em uma franquia de tanto sucesso, não é somente uma experiência, é um reconhecimento. Um reconhecimento que avança e atinge também variedade de pessoas — mulheres|mulheres negras — que vão poder se visualizar com esses filmes, além de atravessar e quebrar paradigmas, e de conseguir enfatizar os aspectos e importância desse filme dentro de todas as culturas. Essa conquista é tirar a mulher negra do papel de secundário e lhe dar um posto por seu talento, atuação, experiência, e não somente por sua cor, gênero e sexualização de seu corpo.
Esse personagem e repercussão só enfatizar como se faz importante a presença de Lynchd nesse lugar de fala e representatividade, como mulher e negra. Além de exaltar sua conquista, afinal, se ela está nesse lugar, não é por falta de dificuldade, pelo contrário, o esforço é ainda maior e as oportunidades quase nulas — não tem nada de meritocracia aqui.
E apesar dos pesares, com tantos comentários negativos nas redes sociais, existe uma porcentagem que aprova a mudança: