Em um mundo consumido pela tecnologia, quem irá sobreviver? Um mundo onde todos estão, de certa forma, interligados virtualmente e é justamente isso que o autor Dave Eggers quis trazer em seu livro “O Círculo”, um universo em que dois mundos, o que é real e o que é virtual, colidem de uma forma brusca e sufocante.
A obra narra a história de Mae, uma jovem no auge dos seus 24 anos que começa a trabalhar na empresa de tecnologia mais poderosa do mundo, O Círculo. Ela mal consegue acreditar que seu sonho enfim se tornara realidade, afinal, só um louco não almejaria trabalhar na empresa que é considerada o paraíso tecnológico.
O Círculo é uma empresa altamente moderna que une os principais serviços da internet, com redes sociais, e-mail, operações bancárias, esquemas políticos e sistemas de compra, em seu sistema operacional universal com uma única identidade online para cada usuário cadastrado, criando uma nova era de civilidade e transparência. O que parece ser uma jornada empolgada rumo ao conhecimento e ao idealismo de nossa sociedade, se transforma em um grande suspense que tira o seu fôlego e te sufoca.
Começando pela ideia, é genial. É, de fato, uma crítica à sociedade alienada que vivemos hoje, no qual um celular ou um computador é mais importante do que uma relação humana, além do que, também faz crítica ao desejo do ser humano de aparecer, de ser conhecido, ou de achar que uma simples curtida ou uma ‘cara feia’ em alguma publicação nas redes socais é o suficiente para se mudar a condição de um país. Realmente é uma crítica ao modo que a sociedade contemporânea vive, mas infelizmente, o modo que foi escrito não foi tão empolgante assim.
O livro todo é escrito em terceira pessoa, sem divisão de capítulos e com muitos detalhes. Cenas eróticas desnecessárias e que nada acrescentam à história, só para mostrar o lado “humano” da protagonista, que também tem seus desejos, mas para o enredo, simplesmente desnecessário. O universo que Dave Eggers criou realmente te sufoca, você se sente presa àquele mundo e incrédula pelas pessoas que vivem acharem tudo normal, ninguém viveria em completa paz com tudo aquilo. Se for levar para o lado da crítica ao modo que vivemos atualmente, realmente é um livro fantástico que nos faz ficar alerta aos perigos que essa exposição às redes sociais e tecnologia podem nos trazer. Agora, se for pela história, vai ser uma grande decepção.
Com relação aos personagens, tirando a Mae, você não consegue sentir conexão com nenhum outro, até parece que foram criados para serem descartáveis, só interessando a protagonista e sua eterna obcecação pela empresa. Temos Kalden, que promete ser um grande marco na história, mas não passa de um mero antagonista sem fundamento.
O livro se perde demais em detalhes, em números desnecessários. Com certeza houve muita pesquisa e muita matemática para criar esse universo, mas parece que os personagens foram esquecidos, não houve um aprofundamento nas tramas de cada um que, com certeza, dariam boas tiradas. No começo, teve o Francis, que parecia ter um papel importante, mas que desaparece ao longo das páginas, se transformando em um coadjuvante sem importância.
Annie também é uma personagem que começa bem, e quando você acha que ela vai revolucionar todo aquele mundo, a expectativa cai por terra e se torna mais uma com um triste fim. Podemos perceber que é uma característica comum da obra, desenvolve os personagens, mas não termina, parece algo incompleto, deixa um gostinho de quero mais, mas não dá, como roubar doce da boca de criança e não devolver.
Mae, a protagonista, desde o começo se mostra diferente das protagonistas dos enredos literários de que se está acostumado a ler, ela não tem aqueles sentimentos e personalidade inerentes à uma heroína. É a única que o leitor sente algo parecido com uma conexão, mas ela também irrita com algumas atitudes egoístas e cegas.
É nítido que o autor se preocupa mais com a criação do universo do livro do que com o desenrolar da história. Tanto que, não há, de fato, uma emoção, um clímax, quando você acha que vai encontrar algo parecido com uma tensão, a história acaba sem maiores explicações. Para não dizer que o autor não colocou nenhuma cena emocionante, teve uma que te deixa com o coração na mão, mas, infelizmente, não acrescenta em nada na postura da protagonista e, nem na história, mais uma vez.
O livro é regado de detalhes, necessários e desnecessários, mas quando se aproxima da conclusão, do final tão esperado, o autor faz o completo oposto, parece que estava com preguiça de escrever, ou que, simplesmente, queria deixar para a imaginação do leitor, só fez do jeito errado, pois o final é narrado todo como se fosse uma lembrança de Mae, nos deixando sem a emoção necessária e tão esperada. Porém, é um final que surpreende e a expressão “a criatura supera o criador” nunca fez tanto sentido. Você só fica esperando um clímax que nunca chega.