Diferente do primeiro livro que expande o universo da série, Stranger Things – Cidade nas Trevas explora a vida de um dos personagens icônicos da história: Hopper. Para quem ficou com saudade do personagem, a obra é uma boa pedida. Entretanto é importante frisar que o livro não é uma sequência do primeiro, Stranger Things – Raízes do Mal.
A segunda obra oficial da série também foi publicada pela editora Intrínseca em fevereiro. Cidade nas Trevas foi escrito por Adam Christopher, diferente de Raízes do Mal, que possui autoria de Gwenda Bond. Adam possui um histórico interessante. Já colaborou com a antologia comemorativa de 40 anos de Star Wars; escreveu Empire State, considerado o livro do ano pela SciFiNow; já escreveu livros oficiais da série Elementaray e ainda foi coautor da HQ The Shield.
A história de Cidade nas Trevas começa com James Hopper e Eleven em uma tarde de verão. El está entediada e Jim tenta entretê-la contando a ela uma de suas façanhas durante sua trajetória como policial, mais precisamente quando esteve em Nova Iorque em 1977.
Antes de continuar a explicitar a sinopse, vamos a um parêntesis. Essa maneira de começar o livro desperta no leitor um lembrete sobre uma das funções de uma história: seu poder de entreter. E isso pode levá-lo a uma reflexão profunda, revelando que a narrativa é o que preenche e dá sentido a uma vida, afinal o que é o entretenimento senão “ocupar o tempo”; tempo qual estamos vivendo.
O episódio narrado por Jim Hopper vai ser contado durante todo o livro. Ele entretém El com de seus casos mais difíceis de sua carreira e que foi resolvido por ele com ajuda de agentes federais e de Rosário Delgado, uma das nove agentes mulheres que ingressam na polícia através de um programa dedicado a isso. Esta situação revela como a sociedade estava caminhando para a “igualdade” entre os sexos.
“É com orgulho que agora fazemos parte de uma iniciativa liderada pelo próprio comissário. A partir deste mês , detetives mulheres podem ser indicadas a cargos da divisão de homicídios. A detetive Delgado é uma das nove mulheres que começaram a trabalhar nas delegacias dos cinco distritos. Ela terá as mesmas responsabilidades que vocês, trabalhará nos mesmos casos que vocês e provavelmente será tão pé no saco quanto vocês”
O caso de Hopper beira entre o mistério e a razão. A princípio somos levados a acreditar que um líder de uma gangue está seduzindo seus inimigos para trazer o Diabo à terra no dia que eles acreditam ser o Dia da Serpente. Mas a parte racional do plano era apenas causar um blecaute na cidade inteira para que as gangues, então, instalassem o caos. Daí vem o título Cidade nas Trevas.
O romance aponta para a necessidade do ser humano em criar superstições e conviver com elas, uma vez que a sua realidade não é suficiente. E esta discussão se aproxima do tema geral abordado em Stranger Things. Entretanto, a ideia é apenas pincelada no livro, que se concentra mais na determinação de Hopper em ser policial.
“Irmãos. Ó, irmãs! Etamos aqui unidos à sombra negra do senhor das trevas e agradecemos a Ele! Oferecemos o nosso reconhecimento, o nosso sangue, a nossa vida e as nossas almas a Ele. Escutem!”
Revelando a El que ele desejava apenas ajudar as pessoas, Hopper tenta definir com a menina o conceito de heroísmo. Eleven muitas vezes o questiona sobre como a violência praticada pelos policiais pode ajudar alguém, e Hopper explica que às vezes ela é justificada quando utilizada para proteger quem precisa ou fazer o que é certo.
Esse tipo de conversa é importante para a personagem principal de Stranger Things porque ela é a grande heroína da história. E sua criação foi completamente distorcida. Ou seja, através de Hopper, ela pode compreender como utilizar seu poder para ajudar os outros, em vez de atingir os resultados mesquinhos que o Dr. Brenner pretendia.
“Ser herói é legal, mas não é a nossa motivação. Ninguém deveria querer ser um herói. O negócio é querer fazer a coisa certa. Heroísmo não é um trabalho. Ser policial é o meu trabalho. Ser policial é a coisa certa para mim, então é o que eu faço. É o que eu faço agora, é o que eu fazia na época. Era só o meu dever, e tentei fazer da melhor forma possível”
Os olhos mais atentos podem encontrar em Hopper uma persona do “americano”, de como os EUA vendem o que é ser cidadão no país. E dessa forma carimbar na palavra “heroísmo” a interpretação estadunidense do que é ser herói (não nos esqueçamos que os antagonistas principais da série são os cientistas russos). É importante analisar todo o contexto de um livro, pois ele sempre é escrito por “alguém” e esse alguém sempre tem interesses, mesmo que sejam pequenos e irrelevantes.
Cidade nas Trevas não é uma leitura rápida. E às vezes é um pouco cansativa, porque ele descreve o avanço do plano de Hopper para deter o antagonista Saint John. Apesar disso, a linguagem é tão bem cuidada que, nos entrelaces das palavras, o leitor sente o gostinho nostálgico que permeia a série Stranger Things.