Ultimato é simplesmente o filme mais aclamado pela mídia com muita expectativa do público, que ficou chocado com as mortes dos super-heróis em Guerra Infinita. Esse tumulto amplifica os sentimentos dos espectadores e isso pode vir para o bem ou para o mal. Muitos podem sair muito contentes e outros desapontados, principalmente quando a megaprodução comete alguns equívocos.
Alerta: se você não assistiu o filme, não continue lendo.
O longa-metragem, e bota longa nisso, é um filme que possui cenas de confronto nunca vistas em um filme de super-herói. A forma como foi pensado, roteirizado e dirigido aquele épico momento de luta, sem dúvida alguma, causou um frisson geral em toda a plateia terrestre. É impossível ficar apático àquelas cenas. Quando se pensa em filme de super-heróis, está se falando daquilo!
Ao passo que o confronto dos Vingadores com Thanos (Josh Brolin) é uma beleza em sucessão de quadros, a história de Ultimato virou poeira. Um problema que já vem acontecendo desde Guerra Infinita, uma certa falta de preocupação com a trama geral.
PRIMEIRA CENA
O filme se inicia com uma cena muito interessante em que o Gavião Arqueiro (Jeremy Renner) está brincando com os filhos, mas a sentença de Thanos, ainda em curso, destrói sua família. Ao espectador é lançado o tônus da narrativa, uma promessa de que o personagem vai sofrer uma mudança de comportamento drástico e que isso vai repercutir no desenrolar do enredo, ecoando um sentimento de “impotência” e revolta nos demais heróis. O problema é que nada disso acontece no filme. O que poderia colaborar para uma excelente trama fica a desejar, tornando o Gavião Arqueiro praticamente esquecível.
TRAMA GERAL
Após o evento em que metade da população cósmica é chacinada por Thanos, os heróis ficaram com um sentimento misto de revolta, impotência e frustração e isso repercutiu na forma como cada um tocou a vida individualmente. Apesar de ser uma ótima escolha dramática, os personagens em destaque não atenderam à expectativa e isso resultou em cenas que poderiam ser facilmente cortadas do longa.
Desde Guerra Infinita existe uma incongruência na trama. Thanos surge como um antagonista que, na verdade, protagoniza o filme invertendo os papéis e subvertendo a ideia central do filme, que deveria ser “os vingadores da terra”. Apesar da evidente falta de cuidado narrativo com os multiplots, Guerra Infinita conseguiu fazer o espectador andar lado a lado com a história. Isso não acontece de forma alguma em Ultimato.
O sentimento de perda que abarca os heróis é o combustível que impele todos eles a procurar uma maneira de reverter os acontecimentos de Guerra Infinita. Até aí tudo bem, excelente escolha. Mas quando isso começa a ser desenvolvido, a história se enreda em uma cadeia de erros que só vai minando a atenção do público.
A trama é um componente do filme que jamais poderia ser tão descuidada como foi, pois é ela quem dita o ritmo e cria o chão em que os personagens vão caminhar durante toda a história. É ela que faz o espectador segurar na mão dos roteiristas e seguir caminhando pelo jardim que eles desejam lhes mostrar. Uma má abordagem da trama resulta em sensações desagradáveis como a lentidão da narrativa.
Não existe filme lento, existe trama mal elaborada.
Quando a narrativa não está bem definida e construída, ela não empurra o espectador para frente, não o empolga a desvendar os futuros acontecimentos e isso gera, além de tédio, a percepção de como a produção foi elaborada.
Se o espectador para de acompanhar a história para começar a prestar atenção em como ela foi feita, a narrativa morre. Quebra a ilusão. A magia acaba.
O sentimento percebido nas demoradas cenas que antecedem o confronto com Thanos é justamente esse: lentidão. Os espectadores ficam se perguntando “o que está acontecendo?” e não “Ai, meu Deus, o que vai acontecer agora?”. Ou seja, elas passam de empolgação e expectativa a tédio.
Realmente trabalhar com multiplots é complicado, ainda mais quando há um universo a ser encerrado, porém isso só ressalta a importância que deveria ter sido dirigida à narrativa. Ainda assim, nem tudo na trama foi um fiasco. Uma excelente escolha foi trazer um Thanos não amadurecido do passado para brigar com os Vingadores explodindo de raiva dele.
MÁQUINA DO TEMPO
A escolha mais óbvia para solucionar o enredo deixado por Guerra Infinita é justamente essa: “vamos voltar no tempo e destruir as joias do infinito”. Aposto que todo mundo que saiu dos cinemas em 2018 estava pensando que a única coisa que os Vingadores poderiam fazer era voltar no tempo. O filme poderia ter quebrado as estruturas do espectador (no bom sentido) ao apresentar uma solução que ninguém esperava, mas acabou se contentando com óbvio mesmo.
Um erro fatal. Uma escolha fácil. Suicídio.
Mesmo enveredando pelo caminho mais clichê, poderia ter se pensado em uma maneira de se voltar no tempo mais interessante que a criação de uma máquina do tempo, o que tornou o clichê ainda pior.
A escolha mais fácil para o problema “viagem no tempo” é a criação de uma máquina.
O público está cansado de ver isso. A catástrofe fica ainda maior quando esta solução não se conecta com a trama. Tony Stark (Robert Downey Jr.) precisou da ajuda de Bruce Banner (Mark Ruffalo) para construir Ultron, uma inteligência artificial, mas sozinho cria uma máquina do tempo?
Já que queriam tanto viajar no tempo, por que os roteiristas não se valeram da Joia do Tempo? No momento em que eles encontram Thanos pela primeira vez, se o vilão não tivesse destruído as joias, os heróis poderiam tê-las roubado e voltado no tempo.
JOIAS DO INFINITO
O grande destaque de Guerra Infinita e Ultimato não é, na verdade, um destaque. As joias são completamente negligenciadas quando o assunto é usá-las. Embora elas tenham sido utilizadas nos filmes individuais dos heróis, imagina como a trama de Ultimato poderia ser espetacular se cada joia fosse manipulada por um herói? Imagina o quanto que isso abriria de possibilidades para enriquecer a trama?
THOR E HULK
Dois personagens muito endeusados pelo público foram tratados como lixo. Thor (Chris Hemsworth) ficar desleixado porque não há mais nada que ele possa fazer é aceitável, mas torná-lo um idiota maior do que ele já era foi uma escolha muito infeliz. O mesmo pode se dizer de Hulk.
É evidente que a consolidação da linha entre o homem e a fera seria a superação do deslizamento de caráter de Dr. Banner, mas por que o resultado disso seria um completo imbecil? Péssima, péssima escolha, Marvel.
CAPITÃ MARVEL
A personagem que despertava mais curiosidade e que se mostrava a solução para o problema deixado por Guerra Infinita, na verdade, não teve muito destaque. Entretanto Capitã Marvel (Brie Larson) confirmou sua fama em cada cena que apareceu. Porém, ela poderia ter sido mais explorada, assim o título de uma das criaturas mais poderosa do universo seria mais carimbado.
NEBULOSA E VALQUÍRIA
Que maravilha foi assistir a exploração de duas personagens até então esquecíveis. Nebulosa (Karen Gillan) se provou um ponto chave na trama, levando os acontecimentos adiante, ao mesmo tempo que conseguiu cativar o público com sua “humanidade robótica”. Ela, com certeza, foi um acerto gigante da Marvel, pois consolidou o sentido da narrativa. Nebulosa é o único plot que faz sentido no mar de confusão dos outros heróis. Perfeito.
Outro destaque foi o aproveitamento de Valquíria (Tessa Thompson), a personagem aliada a Thor no Ragnarök. No confronto ela protagonizou cenas belíssimas em seu cavalo alado (de arrepiar defunto!) e ainda foi premiada com o reino de Asgard. Uma mulher! Que final excelente e significativo para esta personagem, Marvel. Parabéns!
PRECISAMOS FALAR SOBRE CAPITÃO AMÉRICA
Capitão América (Chris Evans) é um típico soldado americano que veste – literalmente – a bandeira dos EUA. Qual o problema nisso? Nenhum. Patriotismo é uma das forças que faz do país ser a potência que é, contudo colocar este personagem protagonizando cenas espetaculares para o qual ele não tem poder nem habilidade para isso fica muito forçado e explicita claramente o quanto – de maneira subliminar – o patriotismo estadunidense está sendo empurrado para o resto do mundo. E aceito. O mundo cultua o patriotismo estadunidense.
Isso fica bastante claro nas cenas em que Capitão América segura o martelo de Thor. Até ontem ninguém era digno, exceto Thor (que, na verdade, também não é digno) e o Visão, mas de repente eis que surge o Capitão segurando o Mjölnir. Se isso não foi uma clara mensagem de que os EUA é digno de ocupar o lugar que possui no mundo, não sei mais o que é.
Em contrapartida, estas mesmas cenas foram muito bem feitas. Causavam arrepio na plateia.
REPRESENTATIVIDADE FEMININA
O maior destaque do filme acontece no confronto quando as super-heroínas mais importantes são enquadradas em uma cena que constrói um sentido superbonito e maravilhoso, que inclusive já aconteceu em Guerra Infinita:
Nós somos o poder.
A ideia de colocá-las como o ponto chave da destruição de Thanos (que incorpora bem o clássico “machão”) é uma evidente metáfora que, juntas, as mulheres hoje possuem poder para destruir o patriarcado. Lindo de ver. Palmas.
UM FILME NOSTÁLGICO
Em suma, Vingadores: Ultimato não chega nem perto de suprir as altas expectativas erguidas pelo público, mas ainda assim se prova com um cumpridor de promessas no sentido conclusivo de uma longa jornada.
Foi lindo de ver como a Marvel se preocupou em deixar cada personagem com um toque memorável para o espectador, com destaques em Homem de Ferro, Capitão América, Viúva Negra, Homem-aranha, Capitã Marvel, Feiticeira Escarlate e mais alguns.
Ao mesmo tempo, o filme traz aquele gostinho nostálgico através de easter eggs e de referências aos primeiros longas do MCU. Os heróis assumiram uma postura muito significativa neste quesito, embelezando o encerramento de uma saga tão adorada.
Apesar de seus pontos falhos, Vingadores: Ultimato é um filme “gostável” e esteticamente bonito, deixando um excelente sabor na boca quando os últimos minutos chegam ao fim.