Baseado na história real do navegador britânico William Adams, o primeiro de sua terra natal a chegar ao Japão e um dos poucos estrangeiros a se tornar samurai, o enredo de Xógum: A Gloriosa Saga do Japão é um épico intricado, mas altamente cativante.
Além de servir como uma excelente introdução à cultura e política japonesas para o público ocidental, em uma época de conflitos internos ferrenhos, a obra é um magnífico mergulho em intrigas palacianas, estratégias de guerra e a filosofia japonesa, tudo isso como pano de fundo para uma história de amor proibido.
Assim como na obra original, escrita por James Clavell originalmente em 1975, a minissérie apresenta uma ampla gama de personagens, todos com papéis narrativos claros e bem desenvolvidos. Destacam-se o protagonista – o navegador britânico John Blackthorne (Cosmo Jarvis, de Raised by Wolves), rebatizado pelos japoneses como Anjin – que naufraga próximo à costa do Japão feudal e é arrastado para uma guerra pelo poder.
Após a morte do imperador nipônico, seu herdeiro ainda é muito jovem para assumir o comando do país, o que leva os senhores feudais que compõem um conselho de regentes a entrarem em conflitos políticos e militares para determinar quem irá liderar temporariamente – ou permanentemente, pois será difícil remover qualquer um que assuma o posto. De um lado está Toranaga (Hiroyuki Sanada, de John Wick 4: Baba Yaga), a quem o estrangeiro se une por circunstâncias imprevistas. Do outro está o astuto Ishido (vivido por Takehiro Hira), um senhor feudal que não poupa esforços e conspirações em sua busca por esse poder tão cobiçado.
Com as peças no tabuleiro, o roteiro assinado pelo casal Rachel Kondo e Justin Marks (Mogli – O Menino Lobo) opta por se concentrar nos movimentos do jogo real, nas intrigas palacianas que acabam por determinar o resultado da disputa muito mais do que qualquer evento épico em campo de batalha. No centro de tudo isso está Blackthorne que, além de se tornar um fiel e direto servo de Toranaga, se envolve romanticamente com sua intérprete, Mariko (Anna Sawai, de Monarch), uma japonesa cristã que fala português, assim como o britânico adotado por seu líder.
Aliás, a presença dos portugueses no país é crucial na trama de Xógum, especialmente como propagadores da doutrina cristã, visando gradualmente colonizar o país religiosamente, como fizeram em muitos outros territórios fora da Europa. Além disso, alguns eventos históricos são fielmente mencionados, como a expansão de Portugal além-mar após o Tratado de Tordesilhas, acordo estabelecido entre Portugal e Espanha em 1494, que dividiu o mundo entre os dois reinos ibéricos no século XVI.
No entanto, a minissérie não se prende estritamente à fidelidade histórica, embora seja possível estabelecer conexões entre seus eventos e o contexto histórico do período mencionado. A narrativa de Xógum entrelaça os desafios culturais e éticos que impedem Anjin e Mariko de viverem plenamente seu amor crescente (mutuamente sentido) com as disputas estratégicas que moldam o destino do Japão.
Em alguns episódios, o aspecto romântico se destaca como elemento principal em Xógum, especialmente ao focalizar os dilemas de Mariko entre seu dever como intérprete e os anseios do coração. Em outros momentos, toda a atenção se volta para os planos de Toranaga em direção a uma vitória improvável.
O regente, aliás, é retratado como o regente que oscila entre a flexibilidade e a rigidez para manter aliados, inimigos e traidores em posições estratégicas em seu jogo político. Já Mariko representa a mulher comprometida com os princípios do código samurai, dividida entre sua paixão por um estrangeiro e seu dever com um marido autoritário que a utiliza como símbolo de submissão. Enquanto isso, Anjin observa esse mundo solene com uma mistura de surpresa e admiração, adaptando-se às peculiaridades desse estilo de vida por necessidade.
Xógum: A Gloriosa Saga do Japão dedica tempo ao desenvolvimento dos personagens, entrelaçando habilmente suas questões individuais para construir um cenário político e emocional cativante. O tratamento da ação na minissérie, que serve como suporte para as batalhas internas, é exemplar. As cenas mais violentas e brutais não são exibidas como espetáculos em Xógum, mas sim como expressões extremas do comportamento humano, passos estratégicos em meio a uma guerra ou evidências de falhas de julgamento. Por exemplo: quando um jovem ordena a execução do mensageiro inimigo, as vísceras expostas servem como lembrete da imprudência juvenil, ressaltando a sabedoria dos samurais e nobres mais experientes.
Essa consistência confere grande valor à minissérie. Além disso, há uma sofisticação visual notável em Xógum, refletida nos figurinos, na direção de arte e na composição fotográfica, que geralmente utiliza tons frios para retratar as guerras internas e externas.
De visual estonteante, comparações com Game of Thrones (outro épico que fez história na televisão entre 2011 e 2019) eram inevitáveis, mas enquanto a série baseada nos livros de George R.R. Martin é conhecida por suas cenas épicas de ação, com vilões aterrorizantes liderando exércitos por um mapa marcado pelo conflito pelo poder – outra semelhança entre as duas tramas – a produção de Xógum está muito mais interessada nas lutas individuais enfrentadas por cada personagem, reconhecendo o peso que cada um carrega em relação ao destino de uma nação.
Quanto ao elenco, os destaques principais são Hiroyuki Sanada e Anna Sawai, sem dúvidas. Enquanto o primeiro interpreta o regente que poderia ser imperador – mas é rejeitado por seus pares, disposto a sacrifícios pelo bem comum – Sawai, por sua vez, encarna a tradutora apaixonada pelo estrangeiro, mas sufocada pelo peso da tradição e pelas pressões sociais sobre as mulheres. Cosmo Jarvis tem uma atuação competente, embora seu papel seja menos complexo. Envolto de grandes atuações, o ator acaba ficando ofuscado ao fazer o básico.
Para não dizer que tudo são flores, o roteiro de Xógum mostra que a intervenção da Igreja Católica, como extensão do domínio português no Japão feudal, é um elemento que recebe menos destaque no enredo, especialmente quando Toranaga busca refúgio em um feudo de pescadores liderados por Yabushige (Tadanobu Asano). Inicialmente, parece que as intrigas dos religiosos desempenharão um papel crucial no jogo político, que sempre paira sobre a iminência de uma guerra sangrenta. Mas o que vemos é que os portugueses praticamente desaparecem da minissérie após esse momento de refúgio, retornando de forma pontual nos episódios finais para reiterar sua importância política.
Inclusive, algumas subtramas em Xógum também são um tanto previsíveis, como o desaparecimento em batalha de Buntaro (Shinnosuke Abe), o marido agressivo de Mariko e um dos principais obstáculos para o romance dela com Anjin. É evidente que um eventual retorno está planejado pelos produtores, para acrescentar tensão e complicação ao romance principal, o que acaba tomando um tom mais novelesco e, honestamente, desnecessário à trama.
Mas mesmo com estas liberdades narrativas, Xógum: A Gloriosa Saga do Japão é uma produção envolvente, oferecendo uma rica tapeçaria de ficção histórica embalado numa aventura épica e de visual estonteante. Homenageando Clavell, a minissérie consegue costurar uma trama fascinante, criando uma ponte única entre o Ocidente e o Oriente, proporcionando uma experiência cativante e, em muitas vezes, instigante.