A Grafic Novel The Umbrella Academy, criada pelo vocalista e roteirista Gerard Way e o quadrinista Gabriel Bá, possui algumas divergências em relação à série homônima produzida pela Netflix, que estreou em 15 de fevereiro. Apesar de alguns detalhes serem os mesmos, outros foram completamente modificados, mas não comprometeram a trama principal, que é a mesma nos dois formatos.
Originalmente publicada pela Dark Horse, The Umbrella Academy foi impressa pela Devir no Brasil. Este ano ela ganhou a versão audiovisual produzida e exibida na plataforma de streaming Netflix, tornando-se assim a série mais assistida nos EUA.
A fama da série trouxe notoriedade para o quadrinho e para os dois autores, nos surpreendendo com o fato de um deles, Gerard Way, já ter sido vocalista da banda My Chemical Romance até 2013. Mas, mesmo com o aumento de popularidade, pouco foi falado sobre Gabriel Bá, o ilustrador da história. Vamos conhecê-lo um pouquinho antes de prosseguir com o comparativo.
Gabriel Bá é quadrinista brasileiro e possui um irmão gêmeo chamado Fábio Moon, que também trabalha com quadrinhos. Juntos eles foram os primeiros brasileiros a ganharem o prêmio Eisner Award (o Oscar das HQs) em 2008 com Obra 5, em Melhor Antologia, e Sugarshock, em Melhor Quadrinho Digital. Eles também trabalharam em uma obra muito conceituada e conhecida pelos aficionados por HQs chamada Daytripper, publicada no Brasil pela Panini Books, a mesma editora que imprimiu Sandman, de Neil Gaiman. Este que, inclusive, escreve a introdução do segundo volume, Dallas.
DUAS HQS EM UMA HISTÓRIA
Quem já teve a oportunidade de ler os quadrinhos, percebeu que a primeira temporada de The Umbrella Academy foi baseada na minissérie Suíte do Apocalipse (2007 – 2008) e Dallas (2008 – 2009); e com certeza observou a primeira distinção entre as novelas gráficas e a série: a Netflix optou por amarrar as duas tramas em uma. A medida conferiu mais densidade dramática à construção dos personagens, porém originalmente elas são histórias distintas, acontecendo uma depois da outra. Suíte do Apocalipse é primeiro arco (com seis revistas) e Dallas, o segundo (também com seis). No Brasil, ambos foram impressos em dois volumes que compilaram as 12 HQs.
SINOPSE
A premissa é mesma. Em 1989, 43 três crianças nasceram de “gravidez espontânea” (as mulheres não estavam grávidas antes) e o milionário Sir Reginald Hargreeves adota sete delas por saber que elas possuem superpoderes. Assim ele cria a Academia Umbrella (tradução livre) com intuito de salvar o mundo. O quadrinho até brinca com o objetivo de Hargreeves.
CODINOMES
Os sete “heróis” também são os mesmos, com leves distinções na caracterização e poderes. Além disso, alguns codinomes são iguais enquanto outros não foram explorados na série.
Número 1 – Luther, conhecido também como Spaceboy (Garoto Espacial).
Número2 – Diego, o Kraken.
Número 3 – Allison, a Rumor.
Número 4 – Klaus, o Séance (em traduções livres foi chamado de Espírita).
Número 5 – Cinco (ele é o único que não possui nome).
Número 6 – Ben, o Horror.
Número 7 – Vanya, que não possui codinome por ser excluída da equipe.
E também há O Monóculo, o codinome do Sir Reginald Hargreeves, que fica subentendido na série.
O MONÓCULO
A razão de seu codinome vem do utensílio que ele nunca tira e que configura sua inclusão na The Umbrella Academy como mentor. Há uma curiosidade acerca do monóculo que não é explorada na série: ele possui o poder de enxergar como “uma pessoa realmente é”.
E também há um detalhe sobre Sir Reginald: ele é um alienígena disfarçado! No quadrinho ele também é um medalhista olímpico, cientista e bilionário. Se tornou uma lenda construindo aparelhos tecnológicos que moram no imaginário coletivo da humanidade como cinto antigravitacional, o televador (uma espécie de teletransportador) e outras coisas do tipo. Na série não há um aprofundamento na vida deste personagem, ela apenas mostra o fato dele ser rico e um pouco do passado humano dele.
Será que a Netflix estava guardando estas revelações para a segunda temporada?
PERSONAGENS QUE NÃO APARECEM
Existe uma lista de nomes que não fazem parte da obra audiovisual da Netflix porque estavam fora da trama que ela exibiu. Vamos listar os mais significativos.
Abhijat – Ele é o guarda-costas de Sir Reginald Hargreeves, mas sem muita importância na história.
Chipanzés – Não apenas Pogo é um primata com faculdades mentais evoluídas. Existem outros aprimorados como o Body, o detetive parceiro de Lupo.
Lupo – é um detetive que aparece como “colega” do Diego. Na série ele foi substituído por Eudora Patch para aumentar a carga dramática.
Outros personagens com maior importância estão ao longo do texto.
A ORQUESTRA DOS MALDITOS E O MAESTRO
[SPOILER ALLERT – SÓ QUEM JÁ VIU A SÉRIE DEVE PROSSEGUIR]
A série da Netflix mostra que a vibração acústica atinge uma frequência que desencadeia os poderes de Vanya e que eles são a causa do apocalipse, mas no caso da HQ a história é um pouco diferente. Existe uma equipe de músicos que compõem a intitulada Orquestra dos Malditos e um homem chamado O Maestro, que a lidera. Na série existe a orquestra e um maestro também, mas com papéis secundários na trama e sem relação com a importância que a HQ construiu.
O Maestro escreve uma peça que, segundo ele, é capaz de desencadear o fim do mundo se tocada da maneira correta, e é justamente aí que Vanya entra. A série não se preocupa em explicar por que Vanya precisa fazer um concerto para destruir o mundo, apenas mostra que a música libera seus poderes. Contudo a HQ constrói um belo sentido para a existência da orquestra. Fica bem claro que o concerto é necessário porque a música é uma vibração sonora que pode sintonizar a frequência do universo, portanto, seguindo este raciocínio, seria capaz de provocar um abalo na estrutura do mundo, consequentemente, destruindo-o. E os poderes de Vanya têm tudo a ver com isso.
Leonard Peabody não existe na HQ porque o Maestro é o instrutor dos poderes de Vanya. A escolha da Netflix por fazer esta mudança foi bem acertada, pois ela construiu um personagem ímpar com um passado crível e bem concatenado à trama. É mais palpável para o público se identificar com um homem comum desejando vingança, e destruir o mundo no processo, do que um lunático compondo uma sinfonia para este fim.
Também houve mudança no final de Vanya. Nos quadrinhos ela leva um tiro na cabeça que é disparado por seu irmão Cinco, mas consegue completar o concerto e assim a lua é destruída, jogando um pedaço dela na Terra, como na série. Porém é Klaus quem salva o dia e não Cinco. A razão disso deve-se a um aspecto do poder de Séance que não aparece na obra audiovisual.
HAZEL, CHA-CHA E A COMISSÃO
Os dois assassinos que mantêm a linha do tempo inalterada eliminando os alvos apontados pela Comissão, na verdade, não estão em nem um quadrinho de Suíte do Apocalipse. A aparição deles acontece em Dallas, o segundo volume da minissérie. Cha-Cha, inclusive, é um personagem masculino assim como Hazel. Na série ela é interpretada pela cantora Mary J. Blige, que conquistou o público e foi considerada a melhor personagem.
Os dois parceiros são sinalizados como os melhores agentes, depois de Cinco, e os mais violentos que existem. Nos quadrinhos eles não apresentam nenhum resquício sentimental humano, mas sim uma necessidade cômica e incessante por doces. Na série, este desejo vira marca registrada de Hazel e se torna o detalhe precursor da paixão dele por Agnes, a atendente da loja de rosquinhas. Neste quesito a Netflix ganha ponto por humanizar os “vilões”, aproveitando Agnes, perdida no meio da HQ, para constituir um par romântico com Hazel, fato que só acontece na série.
A Comissão é apresentada com outro nome, Temps Aeternalis, mas funciona exatamente como na série, com uma pequena grande diferença na personagem A Gestora, que nos quadrinhos é um peixe-dourado chamado Carmichael. A produtora de streaming deve ter achado que um peixe dentro de uma cápsula robótica seria demais para compor o enredo dramático de The Umbrella Academy.
Outra distinção é que Cinco conta toda a história envolvendo seu trabalho acerca do Temps Aeternalis para Allison, não para Vanya, pois esta está acamada devido ao seu ferimento. Cinco leva Rumor junto dele para o Escritório do Tempo, onde discute com Carmichael o assassinato do presidente Kennedy, que possui uma peça chave na trama do segundo volume, Dallas, porém é apenas mencionado na série do streaming.
AVENTURA NA TORRE EIFFEL
No oitavo episódio da série, a filha de Allison, Clarie, faz alusão a uma aventura que a Academia Umbrella viveu na Torre Eiffel, mas isso fica no imaginário do espectador porque Allison não chega a contar o que aconteceu lá. Entretanto, nos quadrinhos há toda uma narração desta aventura em forma de recordação, onde eles se deparam com um vilão que não é visto na série: o Robô-zumbi.
Além dessa aventura, muitas outras aparecem ao longo dos dois volumes.
KLAUS COM NOVOS PODERES
Klaus, nosso Número 4, é um dos personagens mais adorados pelo público. E com razão! Ele desafia a normalidade superestimada que nós seres humanos defendemos a cada respiração. Inclusive ele chega a dizer isso a Ben na série quando o irmão aponta para o quão longe ele chegou sem seus entorpecentes. Na produção da Netflix, Klaus é bastante próximo do que consideramos “um louco”, mas nos quadrinhos não é bem assim. Ele, além de ser mais “centrado”, possui uma habilidade que não é vista na série: telecinésia! Igual a Jean Gray dos X-men! Além disso, o Séance também é capaz de sintonizar a vibração psíquica com ondas eletromagnéticas.
Apesar dos poderes serem interessantes, Klaus tem um papel importante na luta contra Vanya. Disfarçando-se de Reginald Hargreeves, ele distrai a irmã por algum tempo do concerto que ela está tocando.
Outra modificação envolvendo o personagem é quando ele vai para “o outro mundo”. Na série fica um tanto branda a maneira que ele morre e vê seu pai, mas na HQ não é tão abstrato. Ele leva um tiro na cabeça disparado por Cha-Cha e morre de verdade. A partir daí segue a mesma cena que é vista no audiovisual, de Klaus conversando com Deus. Ele não simpatiza com o Número 4 e considera que o diabo também não iria querê-lo no inferno, portanto resolve revivê-lo. A diferença é que Deus é um homem andando a cavalo e não uma menininha de bicicleta como na série.
Esta pequenina modificação foi mais um acerto da Netflix, pois ao colocar o Todo Poderoso como uma criança, ela conseguiu atingir um sentido grandioso: Deus brinca com vida de todos nós.
The Umbrella Academy ganhou o prêmio Eisner Award em 2008 como Melhor Minissérie e isso, por si só, já desperta o interesse para conferir a história original. Fica aí o convite.