O público que acompanha adaptações ocidentais para obras oriundas de mangá ou anime, sabe o quanto é complicado para essas produções captarem a essência dessas histórias. Dito isso, é tranquilo dizer que a série live-action de One Piece, produzida pela Netflix, é digna de aplausos.
A produção se destaca por trazer um trabalho muito interessante como uma série de ação e aventura, apresentando coreografias de combate empolgantes, um bom uso de efeitos visuais… tudo isso ambientados em cenários extravagantes e cartunescos, o que pode gerar um estranhamento por parte do espectador que nunca teve contato com a obra original (Nota do Editor: o que é o meu caso) num primeiro momento.
No entanto esse sentimento logo se dissolve quando a história, com grande maestria, capta a essência do trabalho de Eiichiro Oda, que explora os princípios do gênero shounen – amizade, companheirismo e a perseverança dos personagens, elementos fundamentais e que servem de pilares também em outros mangás como Cavaleiros do Zodíaco, Naruto, Jujutsu Kaisen e outros. Essa fórmula é incorporada em uma história que desafia os sonhos de liberdade dentro de um ambiente nitidamente autoritário.
A trama de One Piece segue Luffy (interpretado por Iñaki Godoy), um jovem com o sonho de encontrar o tesouro que dá título à série e que pertencia ao último rei dos piratas, Gold Roger. Em sua cerimônia de execução pública, o lendário pirata anuncia que o tesouro pertenceria a quem o encontrasse, desencadeando uma era de ouro da pirataria, com multidões se aventurando na perigosa Grand Line – uma faixa de mar na linha equatorial desse mundo fictício.
Nesta primeira temporada, o foco segue a preparação de Luffy e seu bando para chegar à Grand Line, adaptando a saga introdutória, East Blue (o que deve abrangir os primeiros 50 episódios do anime). O destaque aqui é a capacidade da produção em condensar os principais eventos desta etapa do mangá em apenas oito episódios, com duração média de uma hora cada.
Obviamente que há concessões e alguns cortes em relação ao original, porém os episódios conseguem apresentar de forma sólida não apenas o protagonista, como também os outros membros da trupe, como Zoro (Mackenyu, se redimindo plenamente da horrorosa adaptação de Cavaleiros do Zodíaco), Nami (Emily Rudd, da trilogia Rua do Medo), Usopp (Jacob Gibson, de Greenleaf) e Sanji (Taz Skylar, de O Chef). Todos tem espaço para serem apresentados com profundidade, revelando suas aspirações, sonhos e tragédias.
Outro ponto positivo é que a série não esconde suas origens, apresentando um tom cartunesco característico dos quadrinhos originais, não hesitando em momento algum o uso de cores vibrantes e roupas extravagantes – até mesmo para os personagens mais sérios, o que acrescenta personalidade a esse universo.
Soma-se tudo isso a interpretação magnética de Iñaki, que captura perfeitamente a empolgação juvenil de Luffy diante de novas aventuras e sua seriedade quando seus amigos ou pessoas inocentes precisam de ajuda. Ele é o coração e o motor de One Piece, fazendo a adaptação funcionar ainda melhor.
A série ainda se aproveita de uma produção de alta qualidade, bancada pela Netflix. É perceptível não só o alto custo dos episódios, mas a sabedoria dos produtores e da direção no uso eficaz de cenários reais e efeitos práticos.
Como a jornada vista em One Piece exige viagens por diversas ilhas e lugares extremamente diversos, é visível como muitos desses cenários foram construídos fisicamente, desde o icônico navio Going Merry até o restaurante aquático Baratie. Isso faz uma grande diferença para a imersão na trama, mas especialmente nas cenas de ação.
O uso de computação gráfica nas batalhas também são notáveis, já que os poderes elásticos de Luffy são fundamentais da história. É verdade que são poucos os momentos nestes primeiros capítulos, porém é sempre eficaz quando necessário.
Com escolhas criativas acertadas e uma produção competente, a Netflix finalmente entrega não só uma série de qualidade como também uma adaptação digna do sucesso que é One Piece. Pode ser que o live-action não atraia tantos fãs quanto o mangá ou mesmo o anime, mas certamente estabelece um padrão para o futuro desse tipo de adaptação.